A manchete do jornal não contém a palavra anarquista. É minha opinião que seja entendida na palavra comunista, mas não tenhamos medo de ir além.

Eu compreendo o termo desta forma: o indivíduo só obedece à lei formada por sua própria consciência. O homem moderno não aceita “ordens de cima” se tudo o que elas fazem é consagrar os privilégios de uma minoria ou o poder do dinheiro. Ele se submete a elas enquanto cerra os punhos nos bolsos ou as quebra. Ele ignora a lei se for apenas uma transcrição de verdades descobertas por gerações sucessivas em suas experiências de vida em comum. Em qualquer caso, ele não respeita a lei.

Não é o resultado de uma obediência crescente à lei que faz o número de crimes contra as pessoas diminuir. Sendo cada vez menos sanguinário, isso somente acompanha o desenvolvimento das mentes à distância. Não é o medo da punição que impede a maioria das pessoas de viver de roubo – é que elas percebem um fato: para produzi-lo é mais rentável e está mais de acordo com a lei natural do mínimo esforço se relacionar com iguais do que tramar e lutar entre senhores e escravos. Em geral, por meio de bilhões de casos individuais, nas transações humanas, descobrimos que a cooperação produz mais do que discórdia e força.

Não negaremos o papel ativo que as leis de Moisés, Sólon e até mesmo Napoleão desempenharam no desenvolvimento humano. Esquecendo as vítimas que eles sacrificaram, os Códigos, em seu tempo, regularam ideias, limitaram desejos e aboliram as mais cruéis punições. Mas estes são novos tempos. O número de pessoas que estão cientes de sua posição no universo cresceu e nas massas certas verdades básicas ascenderam do nível da experiência para aquela da fundação da consciência.

Que todos os homens não encontraram uma moralidade pessoal satisfatória é um fato inegável e a crise de selvageria que está crescendo desenfreadamente na humanidade nos jogou para trás uma geração ou mais, mas não pode o anarquista nos mostrar o caminho? Revelar um ideal para aqueles que buscam se aprimorar? Proclamar a superioridade de educar cérebros jovens ao invés da coerção por adultos? Procurar as condições favoráveis ​​ao desenvolvimento da responsabilidade?

Para mim, a palavra anarquista também tem um sentido de sinceridade; pode revelar a imensidão da tarefa. Nas sociedades complexas de hoje, organizar um grupo usando nada além do jogo das paixões como um suporte.

Mas realmente, uma palavra é necessária para tudo isso? Basicamente, somos guiados por nosso temperamento e então nossa opinião é adicionada. Nós descemos a ladeira das nossas paixões e se não tentamos escondê-las, nós formulamos ideias que se adaptam a elas e as usamos como estandarte. Nossas primeiras ações foram como comunistas, mas depois de pensar nisso nos tornamos anarquistas. Claro que existem aqueles que instintivamente não querem se submeter a autoridade alguma, mas devemos ver que eles às vezes têm uma vontade que tentam impor aos outros.

Anarquista! E daí! Ravachol ou qualquer outro cujo temperamento diferente os trouxe para o mesmo campo … Vamos deixar o Vilão acusar o impulsivo.

Então, trata-se de uma “lei formulada pela consciência” ou, se preferir, da “ausência de lei exterior”, que não impede o anarquista de ter sua própria lei, inseparável de sua moralidade, fiscalizando as ações de sua vida pública e privada. Tomar a iniciativa e sentir a sua responsabilidade, educar sem pedantismo, ser moral sem vaidade e aprender todos os dias com os instintos mais básicos são algumas das dificuldades nisso.

Bem, eles nos dizem, algum outro termo seria melhor: autarca ou algo parecido. Talvez, mas o anarquista tem sofrido os insultos do tempo e, como não temos motivos para distorcê-lo, entendemos muito bem.

Eu sou um anarquista.

Traduzido do Inglês ao Português por: William Bueno Rebouças.

Revisão: Ivan Oliveira

Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA).

Fonte: RECLUS, Paulo. Anarchist. Traduzido do francês por Michael Shreve. In: Les Temps Nouveaux, n. 1, July 15, 1919. Acessado em: 10/08/2020. Disponível em: https://theanarchistlibrary.org/library/paul-reclus-anarchist