Abdullah Öcalan. “Sobre o Retorno à Ecologia Social”
“Os seres humanos ganham em valor quando entendem que os animais e as plantas lhes são apenas confiados. Uma ‘consciência’ social que carece de consciência ecológica inevitavelmente se corromperá e se desintegrará”
A seguir, publicamos uma parte de um texto de defesa de Abdullah Öcalan, conhecido como “Bir Halkı Savunmak” (traduzido do espanhol: “Mas allá del Estado, el poder y la violencia”).
Durante muitos anos, Öcalan tem tratado de criar condições mais favoráveis para uma solução política e pacífica do conflito na Turquia. Durante anos, manteve conversas para sua solução com o governo turco. Öcalan está completamente isolado do mundo exterior, na ilha-prisão de Imrali, desde seu sequestro em 1999.
Conforme o sistema foi levando a crise social ao caos, o meio ambiente começou a mandar sinais de socorro na forma de catástrofes que ameaçam a vida. Cidades cancerígenas, ar contaminado, a camada de ozônio perfurada, a rápida e acelerada extinção de espécies animais e vegetais, o desmatamento florestal, a contaminação da água pelos dejetos, a acumulação de montanhas de lixos e o crescimento demográfico antinatural vêm levando o meio ambiente ao caos e à insurreição. Trata-se de obter o máximo de benefício, independentemente de quantas cidades, pessoas, fábricas, transportes, materiais sintéticos, ar e água contaminados possa ser absorvido pelo nosso planeta. Esse desenvolvimento negativo não é o destino. É o resultado de um uso desequilibrado da ciência e da tecnologia nas mãos do poder. Seria um erro responsabilizar a ciência e a tecnologia desse processo. A ciência e a tecnologia, em si mesmas, não têm culpa. Elas funcionam de acordo com as forças do sistema social. Assim como podem destruir a natureza, podem curá-la. O problema é exclusivamente social. Há uma grande contradição entre o nível da ciência e da tecnologia, e o padrão de vida da esmagadora maioria das pessoas. Essa situação é o resultado dos interesses de uma minoria que tem controle sobre a ciência e tecnologia. Porém, em uma sociedade democrática e livre, a ciência e a tecnologia desempenharão um papel ecológico.
A ecologia em si mesma é também uma ciência. Examina a relação da sociedade com seu meio ambiente. Embora ainda seja uma ciência muito jovem, desempenhará um papel primordial na superação da contradição entre a sociedade e a natureza, junto com todas as demais ciências. A consciência ambiental que foi desenvolvida em alguns lugares dará um salto revolucionário se a ecologia for entendida dessa maneira. O vínculo entre a sociedade primitiva comunal e a natureza é como o vínculo entre a criança e a mãe. Entende-se a Natureza como algo vivo. A regra de ouro da religião daquela época era não agir contra ela para não ser castigada por ela. A religião natural é a religião da sociedade primitiva comunal. Não há contradição com a Natureza, não há anomalias no surgimento da sociedade. A própria filosofia define o ser humano como “a natureza tomando consciência de si mesma”. O ser humano é praticamente a parte mais desenvolvida da natureza. Isso demonstra o antinatural e anômalo que é este sistema social, que põe em contradição com a Natureza sua parte mais desenvolvida. O fato de que este sistema social tenha convertido o ser humano, que estava unido com entusiasmo à Natureza em suas celebrações, em uma praga para a própria Natureza, mostra que é, em si mesmo, a praga. A natureza holística do homem e do meio ambiente natural não se refere somente a questões econômicas e sociais. É também uma paixão filosófica indispensável para entender a Natureza. Na realidade, a base disso é a reciprocidade. A Natureza demonstra sua grande curiosidade e seu poder criativo ao converter-se em humana. O ser humano, por outro lado, reconhece a si mesmo na compreensão da Natureza. É surpreendente que a palavra suméria para liberdade, “Amargui” signifique “retorno à mãe”, a Natureza. Entre o ser humano e a Natureza há uma relação quase amorosa. É uma grande história de amor. Destruir esse amor é, religiosamente falando, um pecado mortal. Porque não se pode dar uma interpretação maior do que esta. Neste contexto, mostra-se, uma vez mais, o valioso significado que tem nossa interpretação da hemorragia feminina. Ao mesmo tempo, mostra-se como um signo da distância em relação à Natureza e de sua origem. A naturalidade da mulher provém de sua proximidade com a Natureza. Este é também o verdadeiro significado da sua misteriosa atração.
Nenhum sistema social que não se encontre em harmonia com a Natureza pode reivindicar racionalidade e moralidade para si. Portanto, o sistema que esteja mais em desacordo com a Natureza também será superado, em termos de racionalidade e moralidade. Como se pode constatar nesta breve exposição, há uma relação dialética entre o sistema capitalista, em seu atual estado caótico, e a catastrófica destruição do meio ambiente. A contradição fundamental com a Natureza só pode ser superada apartando-se do sistema. Não se pode resolvê-la unicamente pelos movimentos de proteção ambiental. Por outro lado, uma sociedade ecológica também requer uma mudança moral. A amoralidade do capitalismo só pode ser superada com um enfoque ecológico. A conexão entre a moralidade e a consciência exige uma espiritualidade empática e compassiva. Isso, por sua vez, só tem sentido se se embasa na competência ecológica. Ecologia significa amizade com a Natureza, a crença na religião natural. Nessa perspectiva, a ecologia representa uma união renovada, consciente e iluminada em uma sociedade natural e orgânica.
Os problemas práticos de um modo de vida ecológico também são urgentes. Uma das tarefas dos ativistas é ampliar as muitas organizações existentes em todos os aspectos e convertê-las em uma parte integral da sociedade democrática. Isso também inclui a solidariedade com os movimentos feministas e liberais. Uma das atividades mais importantes na democratização é a promoção e a organização da consciência ambiental. Assim como antes havia uma acentuada consciência de classe ou nacional, devemos criar uma consciência da democracia e do meio ambiente, por meio de intensas campanhas. Sejam os direitos dos animais, a proteção das matas ou o reflorestamento, essas ações, se corretamente realizadas, são elementos indispensáveis do ativismo social. As pessoas que não têm sentimento nenhum pelo biológico só poderão ter uma consciência social perturbada.
Aqueles que percebem a relação entre ambos podem sentir-se verdadeiros e completos em todos os sentidos. A Natureza, até agora saqueada e desprotegida, deve ser e será a destinatária de uma grande luta para restaurar sua cobertura de flora e fauna. A floresta deve ter uma chance novamente. “Patriotismo de verdade significa reflorestamento e cultivo de árvores”: este pode ser um slogan valioso.
Quem não ama e não protege os animais também não será capaz de proteger e amar os seres humanos. O homem ganha valor quando entende que animais e plantas só lhe são confiados. Uma “consciência” social que carece de consciência ecológica inevitavelmente se corromperá e se desintegrará, como se viu no socialismo real. A consciência ecológica é uma consciência ideológica fundamental. Assemelha-se a uma ponte entre a filosofia e a moral. Uma política que promete a salvação da crise atual só pode conduzir a um sistema social real se for ecológico. Tal como ocorre com a questão da liberdade das mulheres, a mentalidade patriarcal e estatista do poder tem contribuído também para que os problemas ecológicos tenham sido adiados durante tanto tempo e ainda não tenham sido resolvidos adequadamente. Se a ecologia e o feminismo continuarem a se desenvolver, o sistema patriarcal e estatista se desequilibrará completamente. A verdadeira luta pela democracia e pelo socialismo só se tornará uma questão completa quando assumir a causa da liberdade das mulheres e da salvação da Natureza. Somente uma luta tão completa por um novo sistema social pode levar a uma saída significativa do caos atual.
Fonte: http://kurdistanamericalatina.org/abdullah-oecalan-sobre-el-retorno-a-la-ecologia-social/
Traduzido do Espanhol ao Português por: Luanna Costa Cenciareli e Rodrigo Santana Cardoso.
Revisor: Dennis Conti.
Edição Final: ITHA