LENIN X PUTIN E O BALANÇO INICIAL DO CONFLITO RUSSO-UCRANIANO

Bruno Lima Rocha, fevereiro de 2022

Apresentação

Esse texto é uma pequena coletânea de postagens e comentários combinando três variáveis: uma crítica socialista e libertária a respeito da natureza política do conflito e da economia política dos blocos em luta; abordagem voltada para os interesses do Mundo Árabe e Islâmico, com ênfase no Eixo da Resistência e por fim, alguma projeção de economia política mundial diante da nova ordem geopolítica que está por surgir.

 

Uma difícil caracterização

Acabo de ler a nota do Partido Comunista da Federação Russa. A linha é estalinista, mas reivindicando toda a experiência da URSS e logo não admitindo o próprio termo-conceito de estalinista. Basicamente segue a linha discursiva do Kremlin, com exceção da figura do Lenin e a formação da Ucrânia moderna, a Rússia de Fronteira. Na 3a 22/02 Putin criticou muito fortemente o outro Vladimir por ter determinado a unidade política Ucrânia. Óbvio que ele não disse que aquele território fora entregue à própria sorte nos Acordos de Brest-Litovsky e só ganhou a guerra civil dos brancos graças ao Exército Insurrecional dos Camponeses, ou, Machnovischina. Depois, como era de se esperar, Lenin e Trostky traíram os acordos com o Exército Negro e a força político-militar de orientação anarquista foi derrotada.

Mas é apenas isso. O PC da Federação Russa atual entende que houve uma desnazificação da Ucrânia, o que faz sentido em termos históricos, já que a fronteira da Rússia tinha sido invadida em 1918 e depois em 1941. Qualquer alusão ao nazismo ali é anti-Russo e deixa o Estado Maior em alerta máximo.

Para Putin, a Ucrânia ganhou autonomia demais no período soviético e essa herança política em busca de liberdade no tabuleiro do poder europeu inclina Kiev para a lógica de que “o pior inimigo do meu maior inimigo pode ser meu grande amigo”. O comediante (Zelensky, presidente da Ucrânia) só não combinou com a OTAN e os gringos, e nem livrou as forças do país de batalhões nazistas irregulares.

De 0 a 10 eu confio ZERO no Putin. Mas repito, por esquerda estamos diante de um paradoxo de Nova Ordem geopolítica onde brigam dois tipos de capitalismo.

Na defesa da libertação do Mundo Árabe e Islâmico a derrota de Zelensky e da OTAN é um ponto positivo.

Para o Brasil e a América Latina, diante da subordinação de nossos mercados internos, teremos pressão inflacionária derivada dos especuladores – em contratos futuros – e as sanções contra a Rússia, além da escassez do milho e do trigo da Ucrânia, importante produtor mundial.

Para o arranjo mundial, especialmente nas transações, é possível diminuir o espaço do fator dólar, e fugir da tutela dos Estados Unidos sobre o Swift. Também é um ponto positivo.

 

Reforçando definições

Importante reforçar. Nem o Putin, nem seu Estado Maior e menos ainda o ministro da Defesa russo Sergei Shoygu são de esquerda, nem social democratas como a maioria do setor no Brasil. O próprio partido comunista na Federação Russa é pequeno, e tem menos força de pressão do que a Igreja Ortodoxa Russa.

Isso é fato. Outro fato também é que assim como a extrema direita ucraniana apoia o Maidan e o prefeito de Kiev, e Zelensky, a extrema direita russa apoia Putin e joga suas vísceras na islamofobia na região metropolitana de Moscou.

O conflito não é democracia X totalitarismo e nem esquerda X direita. Mas, sim, coloca uma nova ordem no tabuleiro mundial. A OTAN estabelecida na fronteira leste da Rússia, se isso chegar a acontecer, faz deste país o próximo alvo de revolução colorida. Por mais que as reivindicações domésticas sejam legítimas, aliar-se com o inimigo estratégico nunca é bem visto.

A guerra é isso, e a tendência de um planeta com nova ordem geopolítica, Bipolar nas grandes alianças, e talvez com espaços nas franjas do Sul, na disputa por recursos e modelos de desenvolvimento na América Latina e África.

Na Ásia, o pivô é o Mundo Árabe e Islâmico e o país mais forte e desenvolvido, o Irã, em luta contra os invasores europeus desde 1979. Ali a guerra de agressão é incessante desde 1920 e não tem data para acabar.

Para esta parcela do mundo, qualquer derrota da entidade sionista ou de seus aliados, é vista como vitória. A Chechênia também entende assim.

 

Apontamentos finais

É importante afirmar que existem rivalidades da ordem geopolítica e mesmo de libertação nacional em sentido amplo. Mas, eu repito o conflito russo-ucraniano não revela nenhuma inclinação ideológica por esquerda e além do fato de ocorrerem nos territórios onde nossa ideologia e o marxismo construíram seus projetos políticos e político-militar, nada há de semelhança com outros períodos históricos.

Do ponto de vista geopolítico, toda derrota da OTAN é interessante para os países do Sul e especificamente para a América Latina. Mas, infelizmente, forças políticas de matriz autoritária dentro das tradições marxistas estão propositadamente confundindo em sua propaganda, os processos reais com a difusão discursiva saudosista ou propositadamente equivocada. Como modesto aporte, entendo que o anarquismo –  e o especifismo em particular – navega por águas turbulentas e precisa operar sobre o mundo real, e não o imaginário ou desejável. Nesta conjuntura onde nossas propostas circulam pouco em territórios onde outrora fomos organizadores da vida social, é urgente interpretar as realidades sem se deixar contaminar por “saídas de momento”. Menos ainda podemos nos dar ao luxo de apenas propagar doutrina ou memória histórica. Fazer política é a arte de operar sobre o real, transformando-o mais do que as forças estruturantes terminam por transformar toda a sociedade, incluindo as esquerdas mais à esquerda.