Resposta a “Um Projeto de Organização Anarquista” – Nestor Makhno
Resposta a “Um Projeto de Organização Anarquista”
Nestor Makhno (1928)
Querido companheiro Malatesta:
Li sua resposta ao projeto intitulado “Plataforma Organizacional de uma União Geral de Anarquistas”, publicado pelo grupo de anarquistas Russos no exterior. Minha impressão é que você não compreendeu o projeto pela ‘Plataforma’. Ou, então, sua recusa em reconhecer a responsabilidade coletiva na ação revolucionária e a função dirigente que os anarquistas devem assumir decorre de uma profunda convicção sobre o anarquismo que o leva a desconsiderar aquele princípio de responsabilidade.
Todavia, há um princípio fundamental que orienta nossa compreensão da idéia anarquista e nossa determinação de que ela deve penetrar nas massas, com seu espírito de sacrifício. É graças a ele que um homem pode escolher o caminho revolucionário, ignorando os outros. Sem isso, nenhum revolucionário teria a força, a vontade e a inteligência necessárias para agüentar o espetáculo da miséria social e tampouco lutaria contra isso. É com a inspiração da responsabilidade coletiva que os revolucionários de todas as épocas e tendências têm unido suas forças; é nela que eles baseiam suas esperanças de que as revoltas parciais, que abriram o caminho para os oprimidos, não foram em vão, de que os explorados entenderão suas aspirações, extrairiam delas as lições adequadas para a época e as usariam para abrir novos caminhos para sua emancipação.
Você mesmo, querido Malatesta, admite a responsabilidade individual do revolucionário anarquista. E mais, você a apoiou em toda sua vida como militante. Pelo menos, foi assim que eu entendi seus escritos sobre o anarquismo. Mas você nega a necessidade e utilidade da responsabilidade coletiva, embora reconheça as tendências e ações do movimento anarquista como um todo. A responsabilidade coletiva o assusta; então, você a rejeita.
Mesmo tendo adquirido o hábito de encarar frontalmente as realidades de nosso movimento, admito que sua rejeição da responsabilidade coletiva me desorienta, não apenas pela falta de bases mas por ser perigosa para a revolução social, cuja experiência você deveria levar em conta, quando se tornar necessária uma luta decisiva contra todos os nossos inimigos de uma só vez. Então, minha experiência das batalhas revolucionárias do passado me leva a acreditar que, não importa qual seja a sucessão dos eventos revolucionários, alguém precisa assumir a direção ideológica e dar as ordens táticas. Isto significa que apenas um espírito coletivo, sadio e devotado ao anarquismo pode atender às exigências do momento, expressando uma vontade coletivamente responsável. Nenhum de nós tem o direito de escamotear tal responsabilidade. Pelo contrário, se foi até agora ignorada, nas fileiras anarquistas, precisa se tornar já, para nós, anarquistas comunistas, um artigo de nosso programa teórico e prático.
Apenas o espírito coletivo e a responsabilidade coletiva de seus militantes permitirão ao anarquismo moderno eliminar de seus círculos a idéia, historicamente falsa, de que o anarquismo não pode ser um guia – seja ideologicamente, seja na prática – para a massa trabalhadora num período revolucionário, e portanto não poderia exigir a responsabilidade total.
Não irei, nesta carta, alongar-me sobre as outras partes de seu artigo contra o projeto de Plataforma, no qual você vê `uma igreja e uma autoridade sem polícia’. Expressarei apenas minha surpresa por vê-lo usar tal argumento no curso de sua crítica. Tenho pensado muito a respeito e não posso aceitar sua opinião. Não, você não está certo. E porque não estou de acordo com sua resposta, usando argumentos demasiado levianos, acredito que tenho o direito de lhe perguntar:
O anarquismo deve assumir alguma responsabilidade na luta dos trabalhadores contra seus opressores, o capitalismo, e o Estado? Se não, você pode dizer por quê? Se sim, devem os anarquistas agir para que seu movimento exerça influência nas mesmas bases que a ordem social existente?
Pode o anarquismo, no estado atual de desorganização em que se encontra, exercer qualquer influência, ideológica ou prática, em assuntos sociais e na luta da classe operária?
Quais são os meios que o anarquismo deve adotar fora da revolução e quais são os meios que ele pode utilizar para provar e afirmar seus conceitos construtivos?
O anarquismo precisa de organizações permanentes, intimamente ligadas entre si pela unidade de objetivos e de ação para alcançá-los?
O que querem os anarquistas dizer com ´instituições para serem estabelecidas´, numa visão que garanta o livre desenvolvimento da sociedade?
Pode o anarquismo, na sociedade comunista que concebe, passar sem instituições sociais? Se sim, como? Se não, quais deveriam reconhecer e usar, e com que nomes levá-las a existir? Devem os anarquistas assumir uma função de liderança e, portanto, de responsabilidade, ou devem se limitar a ser auxiliares irresponsáveis?
Sua resposta, querido Malatesta, é de grande importância para mim por dois motivos. Permitirá que eu compreenda melhor sua maneira de ver as questões pertinentes à organização das forças anarquistas e ao movimento em geral. E, sejamos francos, sua opinião é aceita imediatamente pela maioria dos anarquistas e simpatizantes, sem discussão, como a de um militante experiente que tem, ao longo de toda sua vida, permanecido firme em sua fidelidade ao ideal libertário. Portanto, dependerá em certa medida de sua atitude, seja um amplo estudo das urgentes questões que esta época propõe ao nosso movimento, seja uma desaceleração ou um novo salto adiante. Permanecendo na estagnação do passado e do presente, nosso movimento não ganhará nada. Pelo contrário, é vital que, na visão dos eventos que surgem diante de nós, ele deva ter toda chance de cumprir suas funções.
Eu dou muita importância a sua resposta.
Saudações Revolucionárias
Nestor Makhno