O Poder dos Sovietes contra o Estatismo – Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (atual Federação Anarquista dos Palmares)

REVOLUÇÃO RUSSA: O PODER DOS SOVIETES CONTRA O ESTATISMO

Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (atual Federação Anarquista dos Palmares)

Apresentação

No ano de 1917 o mundo conhece a Revolução Russa. Uma revolução proletária que deixou marcas profundas na memória, na cultura e na política de toda a esquerda mundial. Uma revolução que a burguesia temeu e os povos explorados de todo o mundo a saudou com vivas esperanças.

O presente texto tem o simples objetivo de resgatar, um pouco, alguns dos acontecimentos, não por saudosismo, mas por entender que a história das lutas populares apresenta material de grande valia no incremento da construção de uma perspectiva política revolucionária na atualidade. Por isso, a crítica teórica e política a orientação estatista dada à revolução pelos marxistas-bolcheviques ocupa lugar central no documento, visto que ela vai determinar, inclusive, a relação Partido-Classe a ser impressa pelos bolcheviques ao movimento dos trabalhadores.

Fazemos nossa saudação à todos aqueles trabalhadores e trabalhadoras que tombaram pelo socialismo e pela liberdade, ao mesmo tempo em que nos preparamos para as batalhas que virão.

Boa leitura,

Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares

Alagoas, outubro de 2007

I. A RÚSSIA IMPERIAL E AS FISSURAS NO REGIME DE SABRE

O território do Império de Todas as Russias era marcado pela miséria, estando baseado em uma economia agrária que sustentava um Estado burocrático e policialesco. Abrigava em si vários povos, com seus costumes e línguas, tal como eslavos, ucranianos, judeus e etc., mas que ficavam submetidos a uma supremacia política por parte dos grão-russos, etnia que era minoria na população. A situação do campo, que abrigava os vários povos “colonizados”, estava em profundo contraste com a ostentação de riqueza dos benfeitores do sistema e a erudição dos poucos que tinham acesso à leitura e as artes. Entrava no século XX ainda como um país Imperial em um vasto território do globo terrestre no regime dinástico da família Romanov, com o Czar reinando absoluto e ainda tendo uma imagem bastante estimada pela população pobre e camponesa, maioria absoluta no país. O Czar era o “paizinho”, que a despeito de toda a exploração e opressão exercida nas pancadas de sabre de seus algozes parecia estar sempre resguardada a uma posição de salvador perante um povo faminto e calejado por um trabalho esgotante.

A Rússia, terra onde o revolucionário anarquista Bakunin nasceu, em termos de tradição de luta contra o regime absolutista, preservava no imaginário o referencial das violentas revoltas camponesas no século XVII e XVIII de Stenka Razin e Pugatchev. Durante largo tempo as principais atividades de oposição ao regime possuíam decididos traços de atos terroristas e conspiratórios. Atos que marcam com sangue seus opositores, mas que pouco refletem no lado explorado e oprimido, de maneira a apresentar uma alternativa ao regime czarista. Eram atos que tinham o fim em si mesmo. Nessa tradição de ação terrorista e seletiva, o denominado grupo Vontade do Povo (Narodnaia Volia) chegou a assassinar o czar Alexandre II em 1881.

No entanto, esse viés não se constitui por acaso ou por simples opção política. Os meios de expressão e de organização de uma luta aberta e de massa eram quase que nulos. O tom era dado pela repressão e pela falta das chamadas liberdades civis, estas tão propagadas no mundo ocidental desde a Revolução Francesa. Mas, por outro lado, a Rússia também conheceu certa penetração intelectual. Sua casta erudita não estava atrás da européia e será justamente no seio dessa intelectualidade (no decorrer do regime de Nicolau I, 1825-55), formada por um público jovem que, em certa medida, se “emancipa” filosoficamente do czarismo, que nascem movimentações mais contundentes, organizadas em oposição ao regime do garrote e do chicote. O movimento Dezembrista (1825) e a formação do que se chamou de filosofia niilista, são alguns exemplos de repulsa ao regime, seja de maneira mais incisiva, seja mais no plano das idéias. Todas tinham em comum partir, justamente, de camadas mais altas.

Junto a essa movimentação, numa camada intelectual instigada com descobertas científicas e discussões filosóficas, acrescenta-se o fato de o solo russo, como conseqüência da própria concorrência com os Estados ocidentais, começar a manifestar imperiosas necessidades de incremento na economia do país, despertadas ainda no império de Nicolau I (que morre no final da Guerra da Criméia, 1854-55). Como exemplo de medida para o avanço da economia russa, de maneira até um pouco caricatural, fazendo a união entre a modernização da economia com as extravagâncias de um regime aristocrático, temos a construção da ferrovia que unia Moscou e São Petersburgo (que viria a se chamar Petrogrado em 1914) em uma linha reta, mesmo a despeito das condições do solo da região para tal empreitada (VOLIN, 1980, p. 33).

Ocorre que dentro de um quadro de pressão econômica e política em um capitalismo que ganhava o mundo e que exigia um padrão elevado de produção, aliado a um sempre presente descontentamento de uma grande massa de miseráveis que ganhavam o apoio pontual de uma camada de intelectuais que pressionavam por mudanças, Alexandre II (filho de Nicolau I) inicia a partir de 1860 algumas reformas. A mais marcante delas foi a abolição da escravidão em 1861, mas a verdade é que as tais reformas eram bastante limitadas e simplórias. A própria abolição da escravidão reservou uma parcela irrisória de terra para os camponeses pobres e não os livrou de pesados impostos ao Estado e de indenização aos antigos proprietários. Mas elas tinham uma serventia política para o czarismo, pois a situação do país estava tão caótica que o fazia avaliar nestas medidas uma imperiosa necessidade para salvaguardar o regime e seus privilégios. O Czar chegou a afirmar que “mais vale outorgar a liberdade de cima para baixo que esperar que venham a tomá-la de baixo para cima” (Id., 1980, p. 38).

Aqui podemos localizar de maneira mais clara o início de processo de constituição da classe operária na Rússia, ainda muito marcada por uma economia agrária e de relações de produção não-capitalistas. Todo o processo de formação da classe trabalhadora industrial na Rússia se dá de maneira bastante particular, pois em seu berço as nascentes indústrias não somente recrutavam sua mão-de-obra no campesinato, mas estes mesmos trabalhadores por muito tempo praticavam uma jornada dupla de trabalho na cidade e no campo, que era para onde voltavam preservando ainda por um tempo o vínculo social e cultural (Id., 1980, p. 34).

Quando da entrada do século XX, um verdadeiro salto industrial era notório e dava às cidades russas, onde a industrialização se fazia presente, outra feição e uma classe operária propriamente formada. Calculava-se que em 1905 existiam 3 milhões de operários na Rússia, estes, juntos a um contingente de cerca de 150 milhões de camponeses pobres poderiam ser considerados irrisórios, entretanto, ganhavam terreno como elemento de expressão política por mudanças já que se apresentavam estrategicamente bem posicionados na contraditória e turbulenta crise que se arrastava o regime czarista.

II. DO DOMINGO SANGRENTO AO PODER DOS SOVIETES

Em janeiro de 1905 teremos exposta uma crise política do regime czarista, fruto das mobilizações que antecedem o chamado Domingo Sangrento e as conseqüências desta data. Nesse período, além da presença mais marcante de uma classe operária, teremos também uma movimentação mais presente e organizada de bolcheviques, socialistas-revolucionários e também de uma militância anarquista que dispunha de um movimento pouco articulado. Sendo que de maneira geral a participação de todas essas agrupações e correntes políticas nos eventos do Domingo Sangrento teria sido mínima, exercendo mais uma influência externa para que o movimento fosse mais a esquerda, do que propriamente estar à frente das mobilizações. (VOLIN, 1980, p. 69)

Uma questão de suma importância histórica é que o Domingo Sangrento vai romper, até certa medida, com o misticismo em torno do Czar e balançar seu regime de maneira que dali em diante seu fim virou quase que uma questão de tempo. Uma longa tradição de ações conspiratórias contra os altos escalões do regime e os próprios Czares, não foram suficientes para despertar as massas trabalhadoras contra o mesmo, este determinado rompimento com o misticismo em torno de sua imagem histórica, parece só ser abalado quando o Czar reprime fortemente a massa que se dirigia ao Palácio de Inverno. Esta reivindicava medidas para seus problemas mais urgentes de trabalho e terra, mas que continham também uma conotação política expressa em reivindicações por liberdade de organização e imprensa.

A ironia da história é que toda essa movimentação que resulta na marcha reprimida, conhecida como Domingo Sangrento, teve como principal articulador o padre Gapone. No dia da marcha este levava imagens do Czar, assim como muitos trabalhadores. Mas isso ainda não é o mais irônico. Gapone teria sido designado pelo próprio regime para se fazer presente nas movimentações dos trabalhadores – que vinham em constantes articulações grevistas – como parte de uma estratégia de podar seus impulsos revolucionários. Manter o movimento sobre o controle e fiscalização do Estado czarista, eis sua missão. Ocorre que a atmosfera de trabalhadores e camponeses estava tão marcada por anseios de mudanças e transformações que, segundo nos relata Volin, até o próprio Gapone terminou, em parte ou em determinadas ocasiões, contagiando-se por ela naquele momento (Id., 1980, p. 70).

Desta data em diante o que se vê é um acirramento pela derrubada do regime, tendo como resposta do mesmo a utilização de seus tradicionais métodos de força e perseguição política. Todo o ano de 1905 é especialmente marcado por agitações, de greves à insurreição armada, como foi a dos operários de Moscou no final de 1905. É justamente nesse período de ascenso das lutas que se localiza o aparecimento de um instrumento de organização forjado pela classe trabalhadora russa, a herança para os trabalhadores de todo o mundo deixado pela Revolução Russa: o Soviete ou Conselho, órgão de organização e coordenação das ações e pautas dos trabalhadores.

Em outubro daquele ano, quando uma greve tomava proporções de uma greve geral nacional, o governo czarista lança o Manifesto do 17 de Outubro se comprometendo a convocar uma espécie de Assembléia Nacional, chamada de Duma dos Estados ou simplesmente Duma. Sua função, pretendida pelo czarismo, era a de assessorar, auxiliar o governo. Mas com a derrota das agitações e mobilizações dos trabalhadores aliada à ajuda financeira da burguesia francesa, o regime czarista respira um pouco em 1906, perdurando a relativa estabilidade até a eclosão da I Guerra Mundial em 1914.

Dos eventos de 1905 para o que ocorre em 1917 parecia que o caminho já era previsível. Se durante os anos que separam essas duas datas as lutas não se dão na mesma intensidade, elas tão pouco deixariam de existir. Ainda que os tensionamentos internos deixassem em aberto um cenário político, ficava cada vez mais fechado para permanência do regime czarista. Com a Guerra Mundial de 1914 e a participação da Rússia nela, geram-se conseqüências determinantes para a conformação de uma situação revolucionária. A crise econômica e as derrotas humilhantes sofridas no curso da guerra torna a sustentação do regime inviável. A pressão política sofrida para a convocação da Duma ganha mais força e esta é convocada, mas com o regime atento para mantê-la sob suas rédias.

Na Duma tomará parte a social democracia (bolcheviques e mencheviques), assim como os socialistas-revolucionários, mas sendo um espaço dominado pelo Cadete (Partido Constitucional-Democrático, partido da burguesia liberal). Quando em 1917 o czarismo decide por dissolver a Duma, encontra nesta, a resistência às suas ordens. Temos, portanto, uma cisão e oposição mais forte entre as classes mais favorecidas que se dividem em projetos distintos. Os que sustentavam o regime czarista visualizavam, como última saída, buscar a conformação de um regime monárquico-constitucional, a troca de que os cadetes defendiam, ao menos retoricamente, por um regime republicano-democrático mais ou menos nos moldes dos países europeus.

Com os trabalhadores russos, do campo e da cidade, saindo às ruas clamando por paz e pão, com edifícios governamentais sendo incendiados e as tropas de repressão aderindo à causa, o cheque-mate estava dado para o czarismo. Em 2 de março de 1917 (fevereiro no então calendário russo) Nicolau II abdica a si e a seu filho do trono. A Rússia passava agora a ser governada por um Governo Provisório formado por membros da Duma e aclamado pelo povo russo com o objetivo central de convocar uma Assembléia Constituinte.

III. DA EXPROPRIAÇÃO DOS EXPROPRIADORES À REVOLUÇÃO EXPROPRIADA

Com a derrubada do Czar constitui-se uma situação política de dualidade de poderes. Em Petrogrado, o Soviete de Deputados Operários e Soldados constitui-se no mesmo momento em que o Governo Provisório é formado, sendo este um governo de coalizão entre cadetes, socialistas-revolucionários [1] e mencheviques. Sendo formado a partir da Duma e com uma maioria inicial do Partido dos cadetes, preservava um caráter conservador que logo não só bate de frente aos anseios populares, como não consegue detê-los. Enquanto os membros do Governo Provisório eram articuladores políticos ascendidos ao poder, aproveitando a força dos acontecimentos e das lutas populares, e falavam de uma “revolução democrática”, os trabalhadores russos, por sua vez, não estavam dispostos a se conter com uma revolução tão somente política, de troca de regime. De maneira mais concreta, a guerra mundial que envolvia a Rússia sintetizava o choque de interesses.

O caráter dual da revolução – sua tendência política e sua tendência social – se expressou nesse duplo poder do governo provisório e dos sovietes. No fundo, expressavam – ainda que esta oposição nem sempre se manifestasse com clareza – as duas primeiras causas da derrocada do regime: de um lado a tentativa de prosseguir a guerra; por outro o descontentamento das massas, contrárias a sua continuação. (LEHNING, s.d., p. 89)

Mas não só bastava o fim da guerra, que contabilizava cerca de 10 milhões de mortos e 20 milhões de mutilados em fevereiro de 1917. No campo, a luta toma caráter expropriador, mas também adquire aspectos de violência extremada. Os camponeses, sendo os primeiros a sentirem com mais peso a situação, agiam de maneira enérgica a resolver por si a questão. Praticavam a tomada de terras, expulsando seus proprietários. Por vezes, se tomava o caráter de uma desenfreada revolta com assassinatos ao esmo e destruição de propriedades que poderiam ser utilizadas, não era à toa. Dizia Trotsky (1980, p. 734) que “pela barbárie revolucionária ele extirpava a barbárie medieval”. Arthur Lehning fala que frente à revolta do campesinato, o Governo Provisório tenta, sem sucesso, segurar o movimento.

Em 9 de março o Governo Provisório decidiu reprimir os “distúrbios agrários”. Porém, já não dispunha de poder real para proteger aos proprietários. Tratou então de desviar o movimento que não podia conter, e quis “legalizá-lo”: por lei de 21 de abril, regulou as atribuições dos conselhos. Em seguida, criou um comitê central campesino, encarregado de formular proposições encaminhadas à solução da questão agrária. Não obstante, a resolução definitiva ficava para a Constituinte. (LEHNING, s.d., p. 90)

O Governo Provisório – assim como o Czar já havia feito e não cumprido – assumia compromisso de convocar uma Assembléia Constituinte, mas a empurrava para tentar acumular força e desgastar o movimento revolucionário, sem dar a solução que os trabalhadores exigiam: terra, paz e liberdade. A convocação da Constituinte era uma pauta antiga, mas que no avançar dos acontecimentos seu apelo perderá força entre os trabalhadores, tanto que já em 1918, em sua primeira sessão, foi dissolvida sob o comando do anarquista Anatol Zhelezniakov (AVRICH, 1974, p. 160). Em seu interior o Governo Provisório nunca se mostrou coeso e capaz de levar adiante sua “revolução democrática”. Mudou de composição, de fevereiro a outubro, em pelo menos quatro oportunidades. Nesta inconstância o principal nome virá a ser Kerensky.

Um ponto importante para novo impulso às atividades revolucionárias foi a declaração de anistia geral, onde vários perseguidos e presos políticos retornam ao território russo. Entre estes estão Lênin e Nestor Makhno, o qual retoma suas atividades junto aos camponeses em Goulai-Polé, região da Ucrânia. As agitações se intensificam. O Governo Provisório termina por unir os bolcheviques, socialistas-revolucionários de esquerda (SR-esquerda) e anarquistas enquanto forte bloco de oposição ao governo. A tentativa do governo de cansar e podar os anseios revolucionários da classe trabalhadora russa encontrava direta colaboração da política praticada pelos mencheviques e SR-direita. Sendo que a própria burguesia russa era bastante débil do ponto de vista político, que aliada à condição econômica russa, não lhe gabaritava condições para que pudesse se quer fomentar um projeto para o país de modo a amolecer os ânimos da classe trabalhadora urbana e do campo.

Os acontecimentos que vão da formação do Governo Provisório em fevereiro para a revolução de outubro se sucedem de maneira bastante rápida e explosiva. Os Sovietes, que tinham dado o ar de sua graça em 1905, ressurgem com maior força e imponência, ampliando-se para os camponeses e soldados. A esta altura os Sovietes exerciam um verdadeiro poder, tendo saído de suas instâncias muitas das orientações com as quais os trabalhadores se pautavam. Em maio de 1917 o Soviete de Kronstadt declara ser o único poder local. A política levada a cabo pelo bloco reformista, que no início do Governo Provisório exercia boa influência nos Sovietes (como no de Petrogrado) vai esvaindo-se com o acirramento da luta de classes. Os Comitês de Fábrica também adquirem surpreendente força e expressão de “controle operário” da produção, respondendo aos lockout (boicote) do patronato.

O resumo do quadro das lutas no território russo é de dinâmica e efervescência. Nesse tempo, o Partido Bolchevique vai se consolidar como a principal força organizada revolucionária, estando bem posicionados. Mas não era somente isso, pois ainda que não tivesse presença maior entre os trabalhadores do campo como tinha, por exemplo, os SR-esquerda, saberão levar adiante sua política. Sobre isto, diz Trotsky (1980, p. 728) que os SR-esquerda “transformou-se num reflexo, numa forma instável do bolchevismo rural, numa ponte provisória entre a guerra camponesa e a insurreição proletária”. Abstraindo-se o tom auto-proclamatório, é verdadeiro que os bolcheviques e, em especial a figura de Lênin, ganhavam simpatia e sabiam tirar proveito do quadro que se apresentava. O mesmo Trotsky afirma que a sublevação dos camponeses empurra os bolcheviques ao poder. E daí, “somente após terem conquistado o poder os bolcheviques poderão conquistar o campesinato, transformando a revolução agrária em lei do Estado operário” (Id., 1980, p. 731).

A evolução de suas posições combinada à sabedoria em canalizar para si os elementos mais fecundos do processo histórico da Revolução Russa vai garantir sua direção e hegemonia no movimento. As famosas Teses de Abril, de Lênin, ganha grande significado histórico, pois representa um marco na orientação dos bolcheviques, os direcionando para a atuação nos sovietes. As consignas de “Todo o poder aos Sovietes” e “As fábricas aos operários, a terra aos camponeses” sintetizavam um anseio já posto em prática. Tais consignas já eram, inclusive, propagadas pelos anarquistas. Segundo Paul Avrich, os anarquistas chegaram a sentir-se até mesmo identificados e entusiasmados com as posições defendidas e ganhas por Lênin, no interior do partido bolchevique, a respeito dos Sovietes e dos comitês de fábrica com o controle operário (AVRICH, 1974, p. 133 e 147).

Contando com o fato de ser basicamente a única organização coesa, dotada de uma estrutura organizacional eficiente, além de claro, saber manusear suas táticas e estratégias para a conquista de seus objetivos, os bolcheviques não tardarão para adquirir maioria nos Sovietes de Petrogrado e Moscou (os dois mais expressivos) logo após as Jornadas de Julho.

A chamada Jornadas de Julho, ocorrida nos primeiros dias do mês, consistiu em espontâneas manifestações massivas que tomam Petrogrado incitando ao Comitê Executivo Central dos Sovietes derrubar o Governo Provisório. A base bolchevique se envolve nas manifestações junto com os anarquistas e SR-esquerda, mas os dirigentes bolcheviques avaliam ser prematuro, evitando, assim, um levante armado. Era o ensaio, e dali em diante, a discussão de uma insurreição que colocasse fim ao governo virava ordem do dia. É justamente depois desse fato que Kerensky surge como principal dirigente do Governo Provisório e os socialistas reformistas chegam a obter maioria.

Nessa conjuntura, a derrubada do Governo Provisório já estava certamente desenhada, mas um fato no mês seguinte é que vai ser o estopim, pois será a latente demonstração de força dos trabalhadores e fragilidade do governo: era a tentativa de golpe de Kornilov, um general do antigo regime czarista. Tomando conhecimento disso, Kerensky termina por ter que recorrer à esquerda revolucionária que organiza os destacamentos da Guarda Vermelha, embrião do futuro Exército Vermelho. A tentativa de Kornilov logo será fracassada e sem luta, pois sua própria tropa ao tomar conhecimento de suas pretensões, nega seguir adiante e entrega o general (VOLIN, 1980, p. 145). Agora tínhamos os trabalhadores russos armados e se preparando para lançar uma ofensiva ao próprio Kerensky e o seu Governo Provisório.

O governo ainda convoca em setembro uma Conferência Democrática, mas não obtém o sucesso desejado, não conseguindo segurar o movimento e canalizá-lo para a “legalidade”. Os bolcheviques, por exemplo, tomam parte nela, mas terminam por se retirar ainda em seu início. Teremos então a concentração para a organização de uma insurreição armada que tem seu ponto culminante no dia 25 de outubro de 1917. Nessa ação tivemos a constituição de um Comitê Militar Revolucionário sob a liderança de Trotsky formado por 48 bolcheviques, 4 anarquistas e 14 socialistas revolucionário de esquerda, sendo responsável pela ação que toma o Palácio de Inverno em Petrogrado, quartel de Kerensky e seus ministros (AVRICH, 1967, p. 162). Um pequeno número, mas uma ação preparada e executada no correr de dez dias que, nos dizeres de John Reed, “abalaram o mundo”. Mas não se tratou somente deste fato. Em outros pontos estratégicos da cidade, tropas de guarnição e os marinheiros de Kronstadt tomam o território sem maior resistência e em outros espaços, como Moscou, houve heróica luta. É lançado um comunicado e os bolcheviques passavam a ser os donos da situação através dos chamados Comissários do Povo, inicialmente sendo seus integrantes todos bolcheviques e depois, ficando até meados de 1918, com a participação dos SR-esquerda.

A insurreição de outubro e a constituição de um novo governo, designado com o nome de Conselho de Comissários do Povo, se dava junto à realização do II Congresso Pan-Russo dos Sovietes, da qual na sua abertura os bolcheviques faziam o comunicado. A respeito dos Comissários do Povo

O Conselho de Comissários do Povo, composto, a princípio, só de bolcheviques, levava em si o germe da evolução que conduziria a ditadura de um partido sobre os sovietes. Não se deve associar a instituição dos Comissários do Povo – isto é, a instituição de um poder centralizado – com a proclamação da tomada do poder pelos sovietes. Foi só posteriormente – tendo em conta a realidade – quando essa instituição, expressão da dominação do partido, se converteu em parte integrante da constituição e impossibilitou a formação de um verdadeiro sistema soviético. Com efeito: em 10 de julho de 1918, essa constituição era aprovada pelo IV Congresso Panrusso dos Sovietes, congresso por demais bolchevique, já que a ditadura do Estado havia suprimido todas as outras tendências socialistas. (LEHNING, s.d., p. 122)

Após a insurreição de outubro os dilemas da Revolução Russa serão mais acentuados e decisivos. Frente a estes dilemas, e muitas vezes acobertados por eles, a revolução proletária será “expropriada” e apresentada como produto bolchevique que pretensiosamente relega a si o papel histórico de falar por toda a classe trabalhadora russa e, até mesmo, do mundo inteiro. Os amplos poderes dados ao Comitê Executivo Central dos Sovietes dado pela constituição de 1918, invertendo a própria lógica dos Sovietes de construção pela base (baixo pra cima), e a formação da III Internacional (março de 1919) para formar os PC´s em todo mundo, estando organizada nos moldes de uma Meca de todo o movimento revolucionário mundial, são dois exemplos concretos e que apontavam a opção bolchevique pelo monolitismo político levado à revolução por suas concepções teóricas.

A tônica da centralização de poder, do “comunismo de guerra” e da defesa e expansão da revolução (internacionalização) serão os principais debates. O primeiro, vai significar um esvaziamento do poder real a ser exercido pelos Sovietes, gradativamente transformados em espaços de legitimação e auxiliares do poder bolchevique, e não, de construtores da política própria dos trabalhadores. A política de “comunismo de guerra” vai implicar não só maior controle da economia (tendo como uma das medidas o fim dos comitês de fábricas em favor de estruturas sindicais atreladas ao Estado), sendo o início da disseminação de uma ideologia de sacrifícios e trabalhos penosos em “nome da revolução” e adoção de medidas “liberalizantes” como a NEP (Nova Política Econômica) de 1922, que incluía métodos tayloristas na corrida pelo incremento da produtividade. A terceira e última questão resume todas as anteriores, é a questão de fundo, põe de maneira mais clara o debate que pretendemos fazer a seguir: a ideologia estatista como ante-sala da contra-revolução.

IV. O ESTATISMO COMO ANTE-SALA DA CONTRA-REVOLUÇÃO

Os marxistas sustentam que só a ditadura, evidentemente a deles, pode criar a liberdade do povo; a isso respondemos que nenhuma ditadura pode ter outro objetivo senão o de durar o máximo de tempo possível e que ela é capaz apenas de engendrar a escravidão no povo que a sofre e educar este último nesta escravidão; a liberdade só pode ser criada pela liberdade, isto é, pela insurreição de todo o povo e pela livre organização das massas trabalhadoras de baixo para cima. (Bakunin, Estatismo e Anarquia)

O grande debate que paira quanto à Revolução Russa será o caráter da mesma, o que vai implicar no próprio papel do Estado nesse processo. Importante que se diga que a Revolução Russa rompe com uma tradição que já vinha ampliando-se no movimento socialista europeu, ou seja, a estratégia de luta pautada na via eleitoral e nas chamadas instituições democráticas. Na II Internacional, a predominância do parlmentarismo era latente e tinha fonte na atividade realizada pela social-democracia alemã, a qual, por sua vez, tem suas raízes ainda na I Internacional. Não foi à toa que os anarquistas ficaram impedidos de participar da II Internacional que só aceitava aqueles que reivindicavam a luta parlamentar e que a representação política (Partido) era maior que a social (sindicatos e movimentos de base).

A rejeição às tentativas de formação de um parlamentarismo democrático-burguês e a opção pela insurreição armada, colocava em evidência a via revolucionária para o socialismo em flagrante oposição a via reformistareinante. As orientações características da II Internacional, que tinham levado os socialistas (social-democracia) ter quase que trânsito livre no balcão de negócios da burguesia, parecia ganhar um concorrente ameaçador. Claro que a perspectiva parlamentar dos socialistas alemães não era a única. Não podemos esquecer que no início do século XX, em países da América do Sul como o Brasil e em países como a França e a Itália, existia uma forte movimentação operária, muito impulsionada pelos anarquistas que ficou conhecido como sindicalismo revolucionário e que tinha decidida posição de combate à perspectiva de luta estatista. No entanto, era a social-democracia que influía mais decisivamente na política mundial, tanto que vergonhosamente partidos socialistas votaram pela guerra mundial imperialista, fato que também se voltou na desorganização e forte repressão ao movimento operário anti-estatista nos países beligerantes.

Então, em outubro de 1917, no soar da Revolução Russa que ecoa o mundo dos trabalhadores e os renova em esperança e energia em meio a uma guerra imperialista, a via revolucionária para a construção do socialismo ganhava destaque. Portanto, as duas “vias” eram a oposição entre reforma e revolução, entre o legalismo e as instituições burguesas com a quebra deste legalismo e desta institucionalidade. Mas um preceito permanece e dá a linha histórica de união entre as atividades da social-democracia na I Internacional e na II Internacional, com a bolchevique na construção da Revolução Russa e na futura III Internacional. Trata-se da ideologia estatista e a teoria de revolução por etapas que se entrelaça na dialética entre a economia e o Estado. Elas se fundem e ganham expressão política na operação de construção de um Estado como motor de uma transição revolucionária.

Aqui é interessante entender a própria evolução das idéias sobre uma revolução na Rússia, expressas no Partido Operário Social-Democrático Russo que, também por conta disso, resultará em sua divisão em mencheviques e bolcheviques. Os mencheviques irão sustentar a formação de uma república democrática, uma revolução burguesa mais clássica, como condição para que a Rússia tome um patamar em que fosse permitido almejar o projeto socialista. Sem isso, nada de atividade revolucionária. Do lado dos bolcheviques, o entendimento era de que a burguesia não poderia realizar sua missão histórica de alavancar a conquista de direitos e de construir uma base econômica mais alinhada ao capitalismo ocidental. Em outros termos, caberia ao proletariado assumir o papel de não somente ser a “bucha de canhão”, mas de dirigir a “revolução burguesa”.

Nesse sentido, em razão da localização da Rússia na economia mundial e suas condições objetivas para vingar o socialismo, Lênin defende inicialmente uma “ditadura democrática do proletariado” como meio de resolver a questão agrária. Relatava Trotsky: “Visto que a classe operária russa, em minoria evidente no país, não estaria capacitada para a obtenção do poder com suas próprias forças, Lênin logo considerou inteiramente impossível falar de uma ditadura do proletariado na Rússia antes de vitoriosa, no Ocidente, a classe do operariado.” (TROTSKY, 1980, p. 1013).

Portanto, de 1905 a 1917 os debates giram em torno de se a estratégia seria uma revolução burguesa dirigida pelo proletariado ou se só com a própria ditadura do proletariado que se resolveria a questão agrária, predominando em maior período a primeira proposição. A segunda proposição será defendida por Trotsky que ingressa no Partido Bolchevique no decorrer de 1917, tendo tomado parte anteriormente entre os mencheviques. Afirmava ele que “a evolução histórica não tem um tal caráter planejado e harmônico” e por isso, “é somente a profundidade do problema agrário que abre a perspectiva imediata de uma ditadura do proletariado.” (TROTSKY, 1980, p. 1049). A orientação bolchevique pela ditadura do proletariado – rejeitando a até então seguida “ditadura democrática do proletariado” – se dá somente com as Teses de Abril quando Lênin assume a mesma e polemiza com a direção bolchevique. Até aí os próprios bolcheviques vacilavam frente ao Governo Provisório e faziam coro pela Assembléia Constituinte.

O VI Congresso do Partido Bolchevique (julho de 1917) entendia que a Rússia não favorecia as condições necessárias para o socialismo e que a revolução era internacional, sendo preciso, portanto, derrubar o jugo imperialista no Ocidente (Id., 1980, p. 1019). Nesse contexto, o papel da Revolução Russa seria o de acender a chama, porém, era na Europa onde estava o combustível necessário para dar consistência e tornar a revolução irresistível. A caracterização e constatação da debilidade econômica e política da Rússia exigia apoio técnico e político de potências da economia capitalista, e no decorrer dos eventos as fichas logo serão jogadas na Alemanha. A Revolução no território alemão seria a possibilidade de fazer da obra revolucionária russa uma obra sem fronteiras. Definida a estratégia e suas implicações, caberia colocá-la em prática.

Os bolcheviques mantiveram a inflexibilidade necessária frente a sua estratégia permanente, ou seja: a tomada do Estado e organização da ditadura do proletariado. Como sabiam que isso não seria possível sem que ganhassem confiança frente aos trabalhadores a tática utilizada foi a defesa dos Sovietes (enquanto organização de todos os trabalhadores e dos soldados) e do controle operário via comitês de fábrica, visto que o movimento real se dava nestes espaços.

Em O Estado e a Revolução, de Lênin, escrito às vésperas da Revolução Russa, o autor vai buscar apoio no que escreveu Marx a respeito da Comuna de Paris e caracteriza a ditadura do proletariado, o período de transição revolucionária, como a tomada da “velha máquina” que é substituída por outra, pelo Estado Operário que seria o próprio Estado em “definhamento”.

O proletariado se apodera da força do Estado e começa por transformar os meios de produção em propriedade do Estado. Por esse meio, ele próprio se destrói como proletariado, abole todas as distinções e antagonismos de classes e, simultaneamente, também o Estado, como Estado. […]

O primeiro ato pelo qual o Estado se manifesta realmente como representante de toda a sociedade – a posse dos meios de produção em nome da sociedade – é, ao mesmo tempo, o último ato próprio do Estado. A intervenção do Estado nas relações sociais se vai tornando supérflua daí por diante e desaparece automaticamente. O governo das pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção do processo de produção. O Estado não é “abolido”: morre. [2]

Ao atingir o objetivo de se apoderar da “velha máquina”, ainda que com pretensões de construir uma “nova” com tarefas circunscritas, os bolcheviques iniciavam sua empreitada de estruturar um chamado Estado operário (ou oportunamente chamado de Soviético), o qual seria o primeiro da história da humanidade. O porto seguro dos trabalhadores do mundo.

Seria papel histórico do dito Estado Operário forjar as melhores condições possíveis no território russo para uma futura construção socialista. Nesse sentido, Trotsky (1980, p. 1054) diz que “o proletariado pode somente empregar o poder de Estado com toda a sua força a fim de promover a evolução econômica em direção do coletivismo, e abreviar seu caminho”.

A tese de “definhamento do Estado” posta por Lênin se esbarrou em uma realidade previsível, pois o Estado não se trata de uma ferramenta manuseável ao bel prazer de “homens honestos” em sua administração. Possui sua dinâmica, certamente condicionada pela estrutura econômica e social da sociedade em questão, mas que também tem em sua dinâmica e fundamento a atuação como elemento conservador e refratário às mudanças por excelência. É onde entra a dialética entre a economia e o Estado. Bakunin tinha claro que o Estado não simplesmente se extinguia com o fim da exploração econômica, mesmo porque, esta própria exploração já se incorporava como também resultante do Estado e sua dinâmica. Portanto, o Estado não morreria de “morte morrida”, sendo preciso ações decisivas nessa direção, pois “para Bakunin o Estado não morre, precisa ser morto” (BAKUNIN, 2002, P. 97). Retrucando Marx, Bakunin dizia que

O Estado político de todo país, diz ele, é sempre o produto e a expressão fiel de sua situação econômica; para mudar o primeiro basta transformar esta última. Todo o segredo das evoluções históricas, segundo o Sr. Marx está aí. Ele não leva em consideração nenhum outro elemento da história, tal como a reação, todavia evidente, das instituições políticas, jurídicas e religiosas sobre a situação econômica. Ele diz: “A miséria produz a escravidão política, o Estado”; mas não permite inverter essa frase e dizer: “A escravidão política, o Estado, por sua vez, reproduz e conserva a miséria, como uma condição de sua existência; assim, para destruir a miséria, é preciso destruir o Estado”. (BAKUNIN, 2001, p. 39-40)

Considerando a situação de uma Rússia que saía da guerra mundial (através de pacto com a Alemanha) fortemente abalada em seus recursos materiais e humanos, e da guerra civil instalada com a contra-revolução branca, temos um panorama que contribui para intensificar a concepção e a estratégia bolchevique de construção do Estado Operário. A época do “comunismo de guerra”, não era simplesmente parte de medidas excepcionais, era, tão somente, um aprofundamento de uma orientação estatista.

A revolução é guerra, o que resulta em destruição dos homens e das coisas, tinha bem claro Bakunin. No entanto, ainda que se compreenda que não existem caminhos puros e opções “a priori”, que trata-se de questões forjadas nas condições de uma luta concreta, as concepções de uma luta revolucionária que toma a classe trabalhadora como o centro de sua transformação, sujeito revolucionário protagonista, faz toda a diferença. Afinal, se a emancipação do proletariado é a emancipação da humanidade, se, como afirmava Bakunin, queremos construir o homem que “pensa e faz” (rompendo com a própria divisão do trabalho que estabelece a dicotomia entre intelectual e manual) é preciso acendê-lo à tomar parte consciente na luta.

A atividade de derrubada da força da burguesia se entrelaça e caminha com o de construção de novas bases na sociedade, determinam-se. Para os bolcheviques era preciso centralizar não só a economia, mas, e aqui reside o problema da questão, as próprias decisões quanto aos rumos da classe trabalhadora que vê a si e as suas instâncias de organização da produção e de consumo serem apropriadas por um “truste universal” [3], como se refere Lênin ao “Estado operário”. Seria a retomada e aprofundamento da ditadura do proletariado esboçada no programa do Manifesto Comunista de Marx e Engels. Diria Bakunin que era “a teoria da emancipação do proletariado e da organização do trabalho pelo Estado”, visto este como agente protagonista das transformações, substituindo a própria ação e protagonismo da classe trabalhadora. Era a expressão aprofundada de uma ideologia estatista. O dilema de identificação entre centralização econômica e centralização política é refutado por Bakunin.

Afirma-se que a centralização econômica só é possível com uma centralização política, que uma implica a outra, e que ambas são necessárias e benéficas na mesma medida. Nada disso, dizemos. A centralização econômica, condição essencial da civilização, cria a liberdade, porém, a centralização política a mata, destrói em benefício do governo e das classes governantes a vida e a ação espontânea do povo. (BAKUNIN, 1990, p. 325)

O processo histórico da Revolução Russa tinha uma marcante característica de protagonismo de classe, no sentido de que, ainda que com equívocos e com toda uma série de dificuldades, trabalhadores da cidade e do campo forjavam seus instrumentos de organização para formulação de sua política e ação. No entanto, a concepção de revolução dos bolcheviques, embutida de uma compreensão quanto à relação entre partido (que como aprofundamento lógico seria único) e movimento (classe), vai na direção de se firmar sob o preceito da política de Estado. E assim, está aberta as portas para a contra-revolução que não precisaria vir do estrangeiro, e sim, nascia no interior da revolução como produto de sua orientação teórica e política.

Bakunin define como moral e razão do Estado preceitos indispensáveis: o primeiro é que, ao se constituir na base da violência, velada ou dissimulada, o Estado deve se expandir e esmagar os demais ou será esmagado. Para ser forte no exterior, é necessário ser poderoso também em seu interior. Sua moral é de que, sendo o Estado o objetivo supremo, aquilo que vai no sentido de seu fortalecimento é bom e correto (BAKUNIN, 2001, p. 102-3). Não é à toa que o Estado soviético (mais correto seria dizer bolchevique), irá reprimir fortemente e sem pudores a rebelião de Kronstadt (março de 1921) [4] e os makhnovistas na Ucrânia que reivindicavam tão somente o poder para os trabalhadores, para os Sovietes. Em seu interior, a Oposição Operária de Alexandra Kollontai no congresso do partido em 1921 é censurada e “difamada” como um “desvio anarquista”. Em contra-partida a administração da economia é invadida por elementos da pequena-burguesia e oficias czaristas são recrutados para a guerra (GUÉRIN, s.d., p. 119). Ou seja, o que fortalece o Estado é bom, o que se mostra contrário deve ser eliminado.

Assim, a contra-revolução pedia passagem. Em 1923 vão-se por terra as esperanças de uma revolução na Alemanha. Com a morte de Lênin e a vitória no interior do Partido Bolchevique de Stálin sobre Trotsky, a revolução na Rússia como prólogo da revolução mundial não tarda a virar uma teoria de “socialismo em um só país”. A verdade é que esta seria uma ideologia das piores produzidas pela esquerda mundial e será a justificativa para que no interior do território russo se plantasse um regime de caserna, coletivizações forçadas sob a tutela de um poderoso Estado que tanto se almejou construir, e no exterior entrasse no ritmo de uma política imperialista, formando PC´s que viram meros satélites de sua política e interesses, praticando acordos com as burguesias nacionais e boicote ou repressão das lutas proletárias que fugissem de seu controle como foi na Espanha em 1936 e Hungria em 1956.

Destacava Bakunin, no século XIX, que “a teoria dos comunistas autoritários e do autoritarismo cientifico, atrai e imobiliza seus partidários, a pretexto de tática, em compromissos incessantes com os governos e os diferentes partidos políticos burgueses, quer dizer, leva-os direto ao campo da reação” (2003, p. 214). O esquema tradicional, de revolução burguesa clássica que precede a revolução socialista, opera no campo marxista a aliança (direta ou indireta) com a burguesia no interesse de avanço das forças produtivas no intento de forjar as condições do socialismo.

Trotsky dizia que “o proletariado crescerá e se fortalecerá juntamente com o crescimento do capitalismo. Neste sentido, o desenvolvimento do capitalismo é o desenvolvimento do proletariado em direção a ditadura” (TROTSKY, 1980, p. 1050). Ainda que não atribua uma dependência automática entre o desenvolvimento das forças produtivas e a ditadura do proletariado (comparando para isso a força política do operário na Rússia com a dos EUA) a fuga de uma concepção mecanicista é sem sucesso.

A revolução a despeito de ser apresentada como permanente, não escapa da perspectiva etnocêntrica (o que remete a etapas e estágios necessários a serem passados) e que faz pouco caso da dinâmica do Estado (central na ditadura do proletariado) como princípio de divisão e fracionismo no seio da classe, ainda que pretenda justamente o contrário. As mediações entre o “cinza da teoria” com o “verde da árvore da vida” para usar expressões de Lênin, são necessárias e jogam na luta concreta, papel decisivo. Por isso, os objetivos subordinam os métodos, que por sua vez, determina os resultados.

Por isso, Bakunin (2000, p. 60) invocava a “revolta da vida contra a ciência” e censurava Marx por se colocar como “um inglês falando só para ingleses” (Id, 2001, p. 26). A teoria ou ciência orientam e fornecem respaldo seguro para separar o concreto do desejo, sendo que “é a bússola da vida, mas não é a vida” (Id., 2000, p. 62). É a vida que cria e são os trabalhadores que se libertam.

A revolução certamente não é um simples ato de vontade, moldada ao sabor dos desejos ou uma explosão espontânea. Também não se trata de uma fatalidade ou um destino histórico traçado de antemão. Requer, imprescindivelmente, de meios materiais para ter êxito, assim como meios concretos de operar uma transformação social (teórico-político, militar). Se um processo revolucionário conserva uma unidade – sendo dever da militância organizada fomentar esta unidade que é concreta e real, resultante de uma luta internacional entre Trabalho e Capital – não a faz sem a participação ativa da classe trabalhadora e suas frações, incorporando suas experiências históricas particulares ou universais.

Os Sovietes eram a própria negação do Estado e instrumento de Poder Popular, o protagonismo (direto) de classe. É o Poder Popular que educa e fomenta na classe suas mais altas aspirações, em seus erros e acertos. Os ideais necessários para construir sua liberdade política na igualdade econômico-social, para identificar no Estado o “cemitério da humanidade” e abraçar a idéia de que a obra de emancipação é da própria classe. A luta contra o Estado não se faz pra depois, se faz de imediato. Isso não quer dizer que a destruição do Estado seja um ato pontual, pois não é, nem mesmo é algo linear. Para Bakunin, tratava-se de uma questão “tão clara quanto a luz do dia”, pois “quando em nome da revolução se quer fazer Estado, ainda que não seja mais que um Estado transitório, se faz reação e se trabalha para o despotismo, não pela liberdade; pela instituição do privilégio contra a igualdade.” (BAKUNIN, 1977; p. 88). A luta contra o Estado é sistemática e contínua, uma luta entre concepções de dois mundos, o do Capital e o do Trabalho. Sendo assim,

A organização política e econômica da vida social deve partir, consequentemente, não mais como atualmente de cima para baixo e do centro para a circunferência, por princípio de unidade e centralização forçadas, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, por princípio de associação e federação livres. (Id., 1983, p. 48)

Dar à revolução social esta orientação, partir destes princípios, não significa dispersão de forças na luta contra a burguesia, seja num terreno político-econômico, seja em termo mais estritamente militar. Pelo contrário, significa desenvolver a unidade da classe trabalhadora a partir da construção de sua política, do seu protagonismo resultante de uma participação na luta que eleva níveis de responsabilidade na medida em que se identifica como sujeito ativo do processo histórico. Bakunin dizia que nacionalistas como o italiano Mazzini ou socialistas como Marx, “confundem sempre a uniformidade com a unidade, a unidade formal dogmática e governamental, com a unidade viva e real”.

A luta pode ser esmagada e derrotada pela reação burguesa internacional, afinal, o socialismo é uma possibilidade, não uma inevitabilidade. Mas, enquanto possibilidade, para que não seja derrubada ainda em gestação, é preciso que tomemos como norte a construção do Poder Popular e que este seja não base de apoio a um Estado que se põe acima das massas como o feito pelos bolcheviques, mas sim a própria negação do estatismo e instrumento de gestão social. Uma organização em que o “poder se funde na coletividade” (Id., 1977, p. 59) e que discute, elabora e constrói, no transcurso da luta, as formas necessárias e adequadas (inclusive de defesa) para almejar a construção de sua emancipação.

V. A RESPEITO DA MAKHNOVITCHINA E DOS ANARQUISTAS NA REVOLUÇÃO

O movimento makhnovista segue sendo tratado com desdém quando se fala da Revolução Russa. Sobra basicamente para os anarquistas fazer o debate, mas ainda assim nem sempre é feito com o maior cuidado na importância que ele vai exercer, não somente para o desenrolar daquele momento histórico (Revolução Russa), mas para momentos posteriores, nos ensinamentos que podemos extrair daquela peculiar experiência.

Ainda que tomasse um caráter mais militar, de luta armada, do que propriamente de organização da vida social (dificuldade posta por questões óbvias de uma carência material para tal e de uma situação de guerra civil e tensionamento com o próprio poder bolchevique constituído) trata-se de um movimento que tinha em si aqueles elementos mais fecundos que a Revolução Russa conheceu e que vai sofrer repressão e aniquilamento por parte do Estado dito “soviético”. Junto com o massacre dos marinheiros de Kronstadt (vanguarda das revoluções de 1905 e 1917), a repressão e aniquilamento ao movimento que levava o nome de sua maior liderança (Nestor Makhno), assumem posição de grande representação para identificarmos o início da contra-revolução estatista.

Se colocamos a derrota dessa experiência histórica como um dos marcos da contra-revolução e degeneração burocrática da Revolução Russa, não o fazemos por superestimar sua capacidade de influência nos acontecimentos do evento tratado. Colocamos nesse marco histórico, pois entendemos que com a repressão ao movimento na Ucrânia (junto a Kronstadt) estava selada a posição de construção de um auto-denominado “Estado operário”. Já dissemos que este se configura em uma ditadura que falava em nome do proletariado, mas que terminava por afogar qualquer manifestação que fugisse do controle bolchevique, mesmo quando tratava-se de expressões legítimas de luta da classe trabalhadora. E era especialmente isso que representava o movimento makhnovista: uma expressão da luta de trabalhadores que buscavam tomar para si os seus destinos, já tão feridos por décadas de opressão e exploração.

De qualquer forma, a região ucraniana, a qual se desencadeou o movimento makhnovista, tinha uma população bastante expressiva (estimada em 30 milhões) e uma posição destacada na economia russa, pois era fonte de matéria-prima como carvão, minérios de ferro e manganês, além de fornecer grande quantidade de cereais [5]. Era uma região bem característica do território russo, incorporando fortemente dois elementos de grande envergadura frente aos dilemas da revolução russa, quais sejam: a marcante predominância camponesa e de operários agrícolas e a opressão “colonial”, compartilhada por vários povos que constituíam o Império Russo.

Dizia Trotsky que a Rússia se constituía como um “Estado de nacionalidades” (TROTSKY, 1980, p. 736). Mais que isso, a nacionalidade representada pela classe dominante era de 43%, enquanto da porcentagem restante, de povos que sofriam com a desigualdade de direitos, os ucranianos representavam a maior parcela. Afirma Trotsky que “o grande número de nações lesadas em seus direitos e a acuidade da situação jurídica dessas nações proporcionavam ao problema nacional da Rússia czarista uma força explosiva enorme” (Id., 1980, p. 737).

No entanto, ainda que conservasse particularidades em termos de costumes e língua, conferindo a região uma identidade própria e certo desejo de independência frente à Rússia, seus setores nacionalistas (oriundos da burguesia) pouco ou nada tinham de penetração junto aos trabalhadores urbanos e rurais e, assim, não conseguia dar coesão e maior força às suas idéias. Isso versa sobre um aspecto importante, pois com a atuação de Makhno e seus camaradas, de uma força política mais orgânica, os camponeses pobres não se deixavam levar facilmente pela política dos nacionalistas burgueses instituídos na Rada Central Ucraniana (formada em março de 1917) como foram em outras regiões do território ucraniano.

A Rada Central atuava como uma espécie de governo autônomo. Em junho de 1917 proclama a República Autônoma Ucraniana, mas sem se separar da Rússia (MAKHNO, 2001, p. 9). A relação com o Governo Provisório é bastante conflituosa, mas isso não significa que eram políticas antagônicas. Faltava, na verdade, maior tato do Governo Provisório para manter-se em relação mais amistosa com um potencial aliado. Da parte dos bolcheviques, SR-esquerda e dos anarquistas, tanto um governo como outro, eram tratados como contra-revolucionários. Quando os bolcheviques ascendem ao poder em Petrogrado, a Rada vai colaborar com a contra-revolução branca e as forças militares estrangeiras.

Como já dito no início do material, com a anistia declarada aos presos políticos no Governo Provisório, Nestor Makhno volta para sua terra natal, mais precisamente para a populosa aldeia de Goulai-Polé (distrito de Alexandrovsk). Makhno relata que a região já tinha uma tradição de atividade revolucionária, realizada ainda no lastro dos eventos de 1905, graças a atuação de um “grupo de camponeses anarquistas-comunistas” (Id., 1988, p. 70). Em 1917, quando o Governo Provisório empurrava a questão agrária para ser resolvida em uma quimera Constituinte, o clima que domina o ambiente é assim relatado: “Nem esse governo e nenhum outro seria tolerado. Cessaríamos de pagar os arrendamentos aos proprietários de terras. Ocuparíamos as terras dos ‘fidalgos’ e das comunidades religiosas assim como as fábricas e usinas.” (Id.,1988, p. 70).

Quando Kornilov prepara sua marcha contra-revolucionária em agosto, urge os primeiros sinais para o que viria a ser o Exército Revolucionário Insurrecional, visto que a conjuntura favorece um avanço nas posições dos trabalhadores tomando os bens que lhe pertencem e desarmando a burguesia. O Comitê Central Executivo dos Sovietes recomendara a organização para a defesa do avanço kornilovista e Makhno toma a frente em sua região do constituído Comitê de Defesa da Revolução o qual assume como missão não somente combater Kornilov, mas o próprio Governo Provisório.

Dada a Revolução de Outubro, os ecos desta só serão sentidos de novembro para dezembro. Isto não significa que a região estivesse alheia ao turbilhão revolucionário que sacudia a Rússia. Afinal, a questão agrária, como a luta contra o arrendamento, era feita de maneira cada vez mais intensiva, o caráter da região e os ânimos que exalava era um fermento a mais. Há de se destacar a existência de toda uma preocupação em estabelecer a solidariedade entre os trabalhadores do campo com os da cidade.

Ainda antes de qualquer decreto do governo bolchevique, em congresso de camponeses em Goulai-Polé já se decidia por enviar delegados às cidades para firmar acordo com os operários e pôr à disposição de todos as terras, fábricas e usinas. Nestor Makhno entendia a importância da aliança com o operariado e bastante se queixava do pouco apoio destes nas lutas dos camponeses: “Vimos nossa aldeia em ação e afirmamos que, nas fileiras dos camponeses, houve, e há, elementos revolucionários” (Id., 1988, p. 105). A queixa ia, em particular, aos seus companheiros de ideologia que “fogem ainda diante do trabalho responsável ou que demanda um esforço elevado” (Id., 1988, p. 106). Retomamos essa discussão ao final deste tópico ao discutir sobre a participação anarquista na revolução com ênfase nas observações de Makhno.

Janeiro de 1918 data o primeiro momento em que se constitui uma luta em conjunto com os bolcheviques (que de maneira geral sempre foram pouco presentes na Ucrânia), tendo como resultado a derrubada da Rada, com os bolcheviques assumindo o controle em Kiev (capital). Ocorre que dado a situação de guerra que o país ainda enfrentava e a própria promessa do Partido Bolchevique de decretar a paz, é firmado o controverso acordo de paz em separado com o Império Austro-Alemão, em março de 1918. Defendido por Lênin, o Tratado de Brest-Litovsk deixava a Ucrânia a mercê das tropas austro-alemães, as quais não perdem tempo e logo tratam de primeiro restituir o poder da Rada para, em seguida, descartá-lo assumindo diretamente o controle da região.

Com as tropas austro-alemãs, Makhno, perseguido, vai para Moscou, mas logo em julho retorna a Goulai-Polé ao receber as notícias da resistência frente à ocupação estrangeira. Assim, inicia atividades como franco-atirador armando emboscada e organizando destacamentos armados que se expandem. Com a formação destes destacamentos, Makhno vira um dos principais articuladores da união destes em um exército insurrecional (Id., 2001, p. 13-4). Em dezembro, os austro-alemães e seu títere Skoropadsky são derrotados sem que os bolcheviques participem efetivamente por conta do tratado firmado. Os nacionalistas também aproveitam para voltar a marcar posição e a Ucrânia fica divida entre estes, chefiados pelo general Petliura, e o exército makhnovista ao sul [6]. Com esta nova situação, os bolcheviques voltam a investir na região e assumem mais uma vez a situação na capital com os nacionalistas do Petliura sendo derrotados, em colaboração com os makhnovistas (Id., 2001, p. 15). Enquanto essa luta ocorria, era o general branco Denikin que se prepara a lançar seu golpe. É nesse tempo que o Exército Revolucionário Insurrecional se incorpora ao Exército Vermelho, mas na condição de manter sua organização interna, nome e simbologia (bandeiras negras).

A relação que o exército liderado por Makhno tomará com os bolcheviques e o Exército Vermelho será marcada por importantes momentos de colaboração em defesa da revolução, intercaladas com sucessivas traições e calúnias por parte dos bolcheviques. A diferença entre os dois exércitos começava pelo caráter de adesão voluntária de um, contra o método de serviço militar obrigatório dos bolcheviques, além da eleição para os comandos.[7]

Esse caráter de adesão voluntária virou um de seus pontos mais fortes, pois lhe garantia uma forte coesão, baseada em uma convicção de luta, permitindo superar suas debilidades numéricas e de armas frente à tropas maiores e mais preparadas militarmente. Isso não significa que o exército não tivesse seu Estado-Maior e atuasse de maneira coordenada e centralizada. Makhno era bastante rígido na cobrança da disciplina e censurava qualquer tipo de excesso ou condutas que fugissem do objetivo das ações. Alertava seus camaradas a agirem com a “honra de revolucionários”, condenando atos vingativos ou atos de pilhagem (MAKHNO, 1988, p. 127-6).

A diferença não estava apenas na organização da luta armada. Nas áreas de influência do movimento makhnovista eram organizados “sovietes livres”. Os bolcheviques já haviam percebido uma oposição frente ao seu projeto de “Estado operário”. Porém, utilizou-se de métodos pouco dignos para minar esta oposição que, evidentemente, se colocava no campo revolucionário. Se concordarmos que na guerra não existem regras, então as medidas usadas encontram sua explicação, mas não aceitamos de maneira alguma elas como expressão legitima de métodos revolucionários. A campanha de calúnia e difamação empreendida pelos bolcheviques, de maneira especial, contra Makhno (acusado de bandido, contra-revolucionário e de praticar massacres de judeus), não converge com uma ética revolucionária que faz seu confronto aberto e sincero.

A batalha contra Denikin, desde o primeiro momento, apontava que: se para os makhnovistas estava em jogo a defesa de uma revolução social, para os bolcheviques, em determinados momentos, o que se fazia central era a administração de seu poder e de sua direção. É somente assim que podemos entender o porquê de atitudes de sabotagem, não fornecendo munições ao exército de Makhno, assim como a retirada de unidades que acabavam por permitir o avanço do general branco. Alexandre Berkman reproduz diálogo que teve com Galina, companheira de Nestor Makhno, comentando o episódio a respeito dessa batalha com Denikin:

Ele compreendeu a sinistra conspiração contra ele, mas se recusou a voltar suas armas contra os bolcheviques. A causa da Revolução lhe era muito cara. Decidiu então deixar seu comando no Exército Vermelho e advertiu Moscou. Lançou um apelo aos insurretos para que continuassem a combater os brancos, e em seguida retirou-se. (MAKHNO, 2001b, p. 69).

A primeira ofensiva de Denikin foi sem sucesso, mas ele não se dava por vencido. Neste meio tempo, abril de 1919, um Congresso Regional de Camponeses e Operários na região makhnovista será convocado com a reprovação do poder bolchevique que, através de Leon Trotsky, envia norma proibitiva e afirma que a realização do mesmo seria considerado um ato contra-revolucionário e seus idealizadores postos “fora da lei” [8]. A ordem não é atendida. A mesma cena se repete no mês seguinte, quando Denikin articula nova investida, sendo este, o momento relatado por Berkman em que Makhno é caçado pelos bolcheviques, tendo que se afastar de sua posição. Porém, tendo em vista a nova investida de Denikin, chegando a Orel, perto de Moscou que já era a capital da Rússia, os bolcheviques se viram ameaçados e batem em retirada. Assim, terminam por ver um Exército Insurrecional, ainda que isolado e com carência de munições e armas, reverter a situação forçando o recuo e a derrota definitiva das tropas de Denikin (MAKHNO, 2001, p. 18). Em razão deste episódio, Alexandre Berkman afirmara que Makhno era “o homem que salvou os bolcheviques” (Id., 2001b, p. 49-80).

Após o confronto com o general Denikin, os makhnovistas “naturalmente” sofreram mais uma onda de difamações, mas desta vez respondem com ações de guerrilha contra o Exército Vermelho. Aliás, Makhno sempre se serviu de táticas inusitadas para derrotar seus opositores. Desde embebedar uma guarnição de mil homens de Denikin com uma festa fajuta em uma vila, ao seqüestro de trem para entrar bruscamente em combate na cidade de Ekaterinoslav quando estava a combater Petliura (Id., 2001b, p. 61-2).

O fim da novela entre os bolcheviques e os makhnovistas ainda teria um último capítulo, mas seguindo o script: colaboração com frente comum de luta, seguido de traição. Desta vez, na primavera de 1920, a contra-revolução branca atendia pelo nome do general Wrangel. Este avançava e os próprios makhnovistas tomam a iniciativa de buscar acordo de combate junto aos bolcheviques que primeiro acusava Makhno de atuar junto com o general branco e, depois, quando a coisa aperta para o seu lado, sendo forçados a abandonar Ekaterinoslav, firmam acordo e desmentem a calúnia feita a Makhno. O acordo militar foi então firmado, mais ou menos nos termos do primeiro e deveria garantir a legitimidade dos Sovietes livres organizados nas áreas do exército insurrecional.

Em novembro de 1920 Wrangel é derrotado. Os jornais bolcheviques se enchem de vivas e elogios a Makhno. Fazia parte da encenação no teatro da guerra. Em um Congresso, convocado juntamente com os próprios bolcheviques, para discutir a organização militar da revolução, os makhnovistas são presos e outros executados pela Cheka que havia preparado a cilada. Após ainda resistir por nove meses, Nestor Makhno, ferido e exausto fisicamente, foge ao final de agosto de 1921, se exilando na Romênia.

Longe de qualquer idealização frente a atuação de Makhno e seus camaradas anarquistas e demais lutadores, não entendemos que o movimento makhnovista seja “modelo” ou isento de falhas. Seu valor histórico transparece não porque tenha sido uma alternativa concreta ao empreendido pelo Partido Bolchevique. Na verdade, muitas vezes teve que manter-se mais na defesa ideológica dos Sovietes livres e pouco tivera condições de se constituir enquanto alternativa concreta, não dispondo de meios para tal. Surgia como um contra-ponto importante, mas débil, seja de um ponto de vista teórico, seja politicamente, para reverter o quadro de uma revolução que trilhava o caminho do Estado. Desde o início, Nestor Makhno se queixava de sua própria insuficiência teórica (1988, p. 68), tal como da dispersão dos anarquistas na Rússia. Mas essas questões não o impediram de praticar, nos marcos de condições materiais e políticas, uma atividade revolucionária organizadora sob a inspiração de uma perspectiva de luta libertária e anti-estatista.

Quando falamos de debilidade política, queremos especialmente nos referir à condição de poder colocar em um patamar satisfatório de disputa um projeto de sociedade que fizesse frente ao estatismo bolchevique. Não seria o longínquo sul da Ucrânia que pudesse, quase que sozinho, fornecer meios políticos e materiais de fazer frente ao projeto bolchevique já bem firmado nas maiores cidades do país. De fato, os anarquistas não tinham esse poder de barganha e Makhno já identificava como fator elementar, a falta de uma organização anarquista “apta a reconduzir ao combate todas as forças anarquistas e de constituir um movimento de conjunto coerente e consciente do alvo a ser alcançado” (Id., 1988, p. 68). Não só identificava nos “anarquistas da cidade” práticas confusas, de latente individualismo liberal abrigadas no “movimento” [9], como discussões pouco fecundas para a revolução.

Ainda que Makhno tenha sido duro nas críticas à participação dos anarquistas nos acontecimentos da revolução, Daniel Guérin discorda que o papel dos anarquistas tenha sido pouco relevante. Cita que o próprio Trotsky via os anarquistas como “ousados” e “ativos” e que os anarquistas levantaram o “todo o poder aos sovietes” antes mesmo dos bolcheviques, assim como “deram impulso ao movimento de socialização espontânea da vivenda, muitas vezes contra a vontade dos bolcheviques” (GUÉRIN, s. d., p. 124). Da mesma forma, muito por iniciativa de anarquistas, os operários tomavam as fábricas antes mesmo de outubro.

Todavia, não é à toa que os anarquistas na Rússia são de difícil classificação. Falar em “anarco-sindicalistas” e “anarco-comunistas”, pensando na CNT espanhola quanto ao primeiro e Kropotkin o segundo, por exemplo, pode nos induzir a cair em equívocos, sendo necessário o alerta [10]. A questão que se coloca é que, na Rússia, assim como ocorreu com o próprio marxismo, o anarquismo se desenvolveu de maneira bastante singular frente às tendências européias. Nisso inclui uma tradição de uso do terror ou ações conspirativas como método destacado de luta. Importante assinalar também que essa tradição pouco ou nada tinha a ver com o propagado por Bakunin que em seu tempo sempre procurou manter contato com revolucionários russos, mas nunca exerceu de fato militância direta em sua terra, tendo radicado sua militância socialista na Europa. O próprio Kropotkin vai ter muito mais influência nos meios anarquistas da Europa do que na Rússia, o que não significa que não tivesse grande respeito. Toda esta equação é fruto das próprias condições da luta de classes no Império russo.

Chegando em 1917, acompanhando o desenvolvimento do movimento operário, os anarquistas russos cerrarão suas fileiras nas áreas industrializadas, como Petrogrado. Diferente do ocorrido em 1905, quando sua presença se dava mais em regiões “periféricas”. Vários grupos anarquistas irão surgir, mas sem a organicidade teórica e política necessárias para apresentar um projeto concreto a ser posto em disputa. Nas cidades, ou nas áreas industrializadas, se destaca a presença dos anarquistas nos Comitês de Fábrica, defendendo-os como mecanismos de organização e controle da produção. Segundo Avrich a Federação Anarquista de Petrogrado será a principal agrupação anarquista em 1917 e, quando Moscou vira a capital da Rússia (1918), será a Federação desta cidade que assume a posição.

Ainda se destacam como intentos de oposição organizada ao regime bolchevique, a Conferência Pan-Russa Anarco-sindicalista e Confederação de Organizações Anarquistas (Nabat), esta no norte da Ucrânia com presença em Jarkov, além de Kiev, Odessa e Ekaterinoslav (AVRICH, 1974, p. 209). Ambas se reúnem em 1918. Da parte da Nabat, que irá tomar contato e colaboração com os makhnovistas, Volin foi um de seus impulsionadores e será convocada na base daquilo que será conhecido como sintetismo. Ou seja, uma organização que pudesse abrigar variadas tendências do anarquismo. Entre os denominados, por Avrich, anarco-sindicalistas (ver nota 10), Maksimov foi um de seus principais nomes. Piotr Kropotkin que era o principal nome do anarquismo na época estará já no fim da sua vida, mas no que atua a respeito da Revolução Russa será apenas o fechamento de um ciclo militante consagrado pelo positivismo evolucionista em teoria e o idealismo em matéria de ação política. Convidado à Conferência Democrática (setembro de 1917) por Kerensky, o “príncipe anarquista” comparece para fazer seu pronunciamento a favor da Tríplice Entente e na “defesa da Rússia” contra a Alemanha na Guerra Mundial (Id., 1974, p. 140-1). Nestor Makhno, em suas memórias, não esconde sua decepção e deixa a entender que ali se firmava uma cisão já que “a Revolução o chamava para outro lado” (MAKHNO, 1988, p. 160).

Na medida em que a ditadura bolchevique vai se consolidando, a repressão abate todas as movimentações anarquistas. A repressão da Cheka alcança a Federação Anarquista de Moscou em abril de 1918 e aos destacamentos de Guardas Negras que eram formados e não eram tolerados. A partir de 1919 atinge a Nabat e vai se estendendo aos demais anarquistas, inclusive aqueles mais inclinados a uma colaboração com o regime bolchevique (não no sentido de combate aos “brancos” que era consenso, mas em relação à própria linha política traçada desde o início da revolução de outubro). (AVRICH, 1974, p. 226)

No entanto, aqueles que procedem de modo a posicionar o anarquismo como uma vítima pura e indefesa frente a carrascos inveterados caem em idealismo e de maneira indireta em dogmatismo. Idealismo porque qualquer ação política revolucionária deve pressupor a ação de forças antagônicas e adversárias sobre a sua ação. Ninguém esboça uma estratégia política sem que não discuta o acionar político e militar de outros pontos (seja da reação, seja do campo revolucionário). Seja qual for o método e os meios usados por tais forças, elas existem e devem ser levadas em consideração. Dogmatismo também porque, especialmente no caso tratado, quando se procede desta maneira, termina-se por objetivamente ocultar suas próprias fragilidades e limitações. Na Revolução Russa, a repressão aos anarquistas de maneira geral é certamente um ato em que decide a sorte destes, porém não é, nem pode ser, visto como o mais relevante a ser discutido.

Vejamos o que diz P. Archinov

Adquirimos o hábito de atribuir a derrota do movimento anarquista na Rússia entre 1917-19 à repressão estatal do Partido Bolchevique, o que é um grande engano. A repressão bolchevique impediu que o movimento anarquista se expandisse durante a revolução, porém ela não foi o único obstáculo. A impotência interna do movimento em si foi uma das principais causas dessa derrota, uma impotência procedente da vagarosidade e da indecisão que caracterizam diferentes afirmações políticas relacionadas a organização e táticas. (MAKHNO, 2001, p. 83-84)

Foi com base nesse entendimento que Makhno, assim como o próprio Archinov, levaram à frente a idéia de que ou os anarquistas assumem um papel de “guia teórico e tático” ou estarão sempre a reboque dos acontecimentos. Assim, já no exílio, formam o grupo editorial Dielo Trouda, que lança a Plataforma Organizacional em 1926. Era o esboço de um projeto com diretrizes para a construção da Organização anarquista: unidade teórica, unidade tática (ou método coletivo de ação), federalismo e responsabilidade coletiva (a Organização é responsável pela atividade de seus militantes e os militantes pela Organização). Era uma retomada da concepção de Partido Anarquista já defendido por Bakunin.

 

VI. CONSIDERAÇÕES SOBRE PARTIDO REVOLUCIONÁRIO NA LUTA DOS TRABALHADORES

O documento intitulado de Plataforma Organizacional (1926) publicado no Dielo Trouda assume relevante papel histórico na medida em que é o resultado de uma discussão e avaliação, tomados a partir de uma experiência concreta. A sua concepção e fundamentação recorre à Revolução Russa, sem fazer vista grossa à própria participação dos anarquistas. Um documento que seus próprios autores alertam que está sujeito a equívocos e imprecisões, e de fato os têm. Mas ainda que os carregue, leva o mérito de ser uma resposta concreta aos caminhos que o anarquismo vinha trilhando, distanciando-se da classe trabalhadora ou fazendo de sua prática política apenas um fenômeno na luta de classes, quando não uma caricatura. Nestor Makhno e Piotr Archinov são os principais autores e animadores da idéia que coloca no centro do debate a organização dos anarquistas em Partido.

Entendemos que o anarquismo, após Bakunin, perdeu bastante tanto do ponto de vista teórico quanto político-organizacional e suas razões históricas estão intimamente relacionadas ao fim da AIT, da luta contra a social-democracia alemã ou mesmo das idéias desenvolvidas por Kropotkin que ganhavam ressonância no meio. Mas não nos ocuparemos de discutí-las. O importante é assinalar que as atividades de Bakunin na construção de uma Organização revolucionária para atuar no movimento internacional dos trabalhadores ocupou o centro de suas atividades políticas. Entendemos que foi Bakunin o primeiro revolucionário pós-48 a elaborar de maneira clara e minimamente fundamentada a necessidade e o papel da Organização (ou Partido) no processo revolucionário. Por isso, a Plataforma não “inventa” nada novo, nem queria “bolchevizar” o anarquismo como foi acusada em críticas, as quais, muitas com hesitações francamente liberais.

A necessidade de uma organização especificamente anarquista foi sentida no próprio desencadear do processo revolucionário russo. Quando dos acontecimentos do levante de outubro, Makhno em suas memórias da revolução aponta para o “papel particularmente destacado [dos anarquistas], na vanguarda dos marinheiros, dos soldados e dos operários” presentes em Petrogrado, Moscou e outras cidades industriais (MAKHNO, 1988, p. 156). Sendo que

[…] não puderam ter sobre o país uma influência revolucionária comparável à desses dois partidos [bolcheviques e SR-esquerda] que tinham formado um bloco político sob a direção deste mesmo astucioso Lênin e sabiam exatamente aquilo que deviam empreender antes de mais nada neste momento e de que força e energia podiam dispor (Id., 1988, p. 156)

Ocorre que de tal maneira “o movimento anarquista, tão vivo e tão cheio de entusiasmo revolucionário, encontrou-se a reboque dos acontecimentos” (Id.,1988, p. 157). O motivo? Especialmente dois: dispersão e confusão ideológica. Sem meias palavras, a Plataforma anuncia que para o anarquismo sair do “pântano da desorganização”, se faz preciso um método para a construção da organização de sua ação. Refuta o preconizado pelo anarco-sindicalismo, pois este liquidava a questão da organização dos anarquistas em corpo específico, limitando-se “somente pela penetração e aumento de forças do proletariado” (Id., 2001, p. 37). O anteriormente mencionado sintetismo também é rejeitado, pois para a Plataforma o método correto é “reorganizar militantes anarquistas ativos baseando-se em posições precisas: teórica, tática e organizacional a base mais ou menos perfeita de um programa homogêneo” (Id., 2001, p. 37).

A “noção de Síntese” teve suas posições estruturadas no próprio debate desencadeado com a Plataforma, com respostas e contra-respostas. Seus responsáveis são o francês Sebastian Faure e Volin, este último que tinha através da Nabat prestado apoio direto ao movimento makhnovista. Considerava que o anarquismo partilhava três tendências (comunista, sindicalista e individualista), mas que tais poderiam buscar seus pontos de interseção e caminharem juntas em uma mesma organização. A formulação era vista como completamente inepta, pois para os plataformistas o comunismo era o objetivo e o sindicalismo um método de luta dos trabalhadores. Não só, o individualismo como expressão do anarquismo é completamente refutado, uma vez que não é nada mais do que “negação da luta de classes” e, sendo assim, “toda essa filosofia não tem nada a ver com a teoria ou a prática anarquista” [11].

Até mesmo Errico Malatesta que compreendia a necessidade dos anarquistas não somente se organizarem enquanto movimento social, enquanto trabalhadores, mas também se agrupassem politicamente de maneira a formular e levar pela atuação militante seu programa aos movimentos, sindicatos e entidades em que se fizesse presente, mesmo Malatesta com esta compreensão, vai se colocar contra a Plataforma com argumentos pouco convincentes e pagando tributo aos defensores de uma abstrata e inexplicável “liberdade individual” como contraposição da ação unitária e coordenada.

Portanto, o essencial exposto na Plataforma fica intacto e instiga para que os anarquistas não sejam meros “representantes platônicos” de belos ideais e que estes venham a assumir relevante papel na linha de frente do movimento de massa. Dizia Makhno (2001, p. 78) com firmeza: “Então, minha experiência das batalhas revolucionárias do passado me leva a acreditar que, não importa qual seja a sucessão dos eventos revolucionários, alguém precisa assumir a direção ideológica e dar as ordens táticas”. Tal era o espírito da plataforma, fazer do anarquismo na luta de classes não uma questão episódica, mas um fator relevante, fazer dos anarquistas não meros auxiliares (muitas vezes irresponsáveis), mas a “expressão de um entendimento consciente e responsável do trabalho militante” (Id., 2001, p. 85), como afirmou Archinov.

Entretanto, quando se fala em “guia teórico e ideológico” não significa dirigismo. A Organização Política não deve se constituir como um poder sobre as massas. Deve se posicionar de modo a buscar ser uma expressão consciente do proletariado e isso não é feito na base da auto-proclamação, tão comum entre os bolcheviques. O protagonismo de classe é a pedra angular de toda a movimentação do trabalho militante anarquista e, portanto, o Partido anarquista não se pretende a representar, muito menos a substituir os trabalhadores. Sua razão de existência não é outra senão participar integralmente dos dilemas cotidianos da luta, se estabelecendo em condição de igual, falando de trabalhador para trabalhador.

Se para os bolcheviques os Sovietes eram vistos como elemento auxiliar do projeto de seu partido, aqui a equação é justamente inversa. Os Sovietes ou qualquer outro espaço construído pela classe trabalhadora enquanto espaço de Poder Popular que abriga seus elementos através de uma representação social-econômica, são os organismos por excelência da organização e ação da classe trabalhadora. Já com Bakunin se pautava a existência de dois níveis distintos, mas não antagônicos, para a organização da luta revolucionária: o social-econômico e o político. O primeiro sendo o espaço de sindicatos, conselhos operários e camponeses, enfim, os espaços de organização de base, e o segundo relegado a organização própria dos anarquistas.

Quando definimos esta diferenciação e apresentamos como espaços de dinâmicas distintas, não o fazemos para hierarquizá-los na luta revolucionária, onde o primeiro espaço faz a luta “sindical” e o segundo elabora o programa e faz a luta revolucionária. As organizações de classe se organizam primeiro em critérios sociais e econômicos do que propriamente políticos, por isso são mais amplas, tem filiação aberta e seu programa tende a ser mais restrito. Com a Organização política o seu critério para agrupação não é simplesmente social-econômico (o que não quer dizer que seja irrelevante, pois para estar entre operários e camponeses, por exemplo, é preciso que a organização abrigue dentro de si militantes nesta condição). O que vai definir e diferenciar a Organização política é seu programa político e sua teoria, pois é em cima delas que se define o recrutamento de militantes. Portanto, entendemos, assim como Bakunin e a Plataforma, que trata-se de uma Organização de “minoria ativa” ou de quadros.

A centralidade da formação de uma Organização revolucionária, distinta dos movimentos de base, se faz na medida em que estes movimentos tendem muitas vezes a se deter seja em questões pontuais ou corporativas, numa conjuntura mais amena, seja a de se ocupar com discussões mais localizadas do problema geral de uma luta socialista revolucionária. Assim, a Organização Política, que não tem nenhum privilégio, deve assumir grandes responsabilidades e fornecer recursos teóricos, técnicos e políticos para o desenvolvimento e fortalecimento dos movimentos de base no seu avanço e na sua defesa. Dizia Bakunin a respeito da relação entre a AIT (organização de massa dos trabalhadores) com a Aliança secreta (organização revolucionária).

A Aliança é o complemento necessário da Internacional… Mas a Internacional e a Aliança tendendo para o mesmo objetivo final, perseguem ao mesmo tempo objetivos diferentes. Uma tem por missão reunir as massas de operários, os milhões de trabalhadores, através das diferenças de nações e dos países, através das fronteiras de todos os Estados, em um só corpo imenso e compacto; a outra, a Aliança, tem por missão dar às massas uma direção realmente revolucionária. Os programas de uma e de outra, sem serem opostos em nada, são diferentes pelo próprio grau de desenvolvimento respectivo. O da Internacional, se o tomarmos a sério, também é em germe, mas só em germe, todo o programa da Aliança. O programa da Aliança é a explicação última do da Internacional. (BAKUNIN, 2002, p. 74)

Podemos aqui fazer um discussão interessante quanto a dicotomia estabelecida entre a ação espontânea das massas trabalhadoras e a disciplina revolucionária. Em vários escritos de Bakunin podemos nos deparar com saudações à ação espontânea popular, mas isso não é o todo. Ao mesmo tempo, quando tratava de falar de Organização revolucionária, entendia como elemento central a disciplina – com o sacrifício de interesses e apreciações pessoais para integrar-se a luta – o que demonstra uma prática política atenta a empreender uma rigorosidade em suas intervenções, ou como dizia a Plataforma, uma posição responsável. Em outros termos, uma coisa é a ação espontânea das massas trabalhadoras, capaz de criar instrumentos poderosos de organização e luta como foram os Sovietes na Revolução Russa, outra coisa é pretender que uma prática política revolucionária contínua seja realizável sem que não exista planejamento e disciplina, pois a revolução social não é algo que cai da árvore de maduro. Portanto, não existe espontaneísmo, e sim uma análise que conclui a importância de um trabalho político e organizacional contínuo e constante. Nos diz Makhno que “a vida não é só uma arena para a propaganda desta ou daquela concepção, mas também, e da mesma forma, uma arena de luta, de estratégia, e de aspirações destas concepções na gestão da vida social e econômica.” (2001, p. 45).

O processo histórico da Revolução Russa deixou um vasto material para que possamos nos debruçar. Um rico momento de combinação de inúmeros fatores e métodos de luta que foram sendo experimentados, construídos e rejeitados. Tempos de luta clandestina e de luta aberta, relações entre campo e cidade, contexto de guerra mundial, país de economia periférica no capitalismo mundial, regime absolutista com luta socialista, etc.

Tais questões, naturalmente, exigiam da militância esforço duplicado para não ficar aquém dos acontecimentos. Já dissemos que os bolcheviques souberam tomar a direção do processo revolucionário com base em uma organização bastante eficiente que não tinha adversária a altura para competir politicamente os rumos da revolução. Mas seríamos levianos se também não identificássemos que souberam ser bastante atentos no quesito. Ou seja, de buscar captar o “movimento real” do processo desenvolvido na Rússia. As discussões iniciais sobre o caráter que a revolução russa deveria tomar (ditadura democrática do proletariado ou a própria ditadura do proletariado) atestam isso, mesmo que partam de premissas equivocadas. Dizia Lênin no Que Fazer? que “sem teoria revolucionária não existe movimento revolucionário”. Mas há aqui o grave problema de método.

Quando se anunciava a importância da teoria na orientação e no próprio desenvolvimento das forças revolucionárias, estas se fazia de cima à baixo. No Que Fazer? (1902) ao debater com perspectivas reformistas da social-democracia russa (prenúncio do racha em bolcheviques e mencheviques no ano seguinte), Lênin critica aqueles que renunciavam a uma luta revolucionária a pretexto de que era preciso maior participação na “luta econômica”.

No entanto, ao se opor aqueles que faziam defesa de um espotaneísmo pueril como forma de dissimular sua prática reformista, Lênin cai em um voluntarismo que pavimenta uma concepção “aristocrática” do processo revolucionário. Citando Kaustky, o líder bolchevique entendia que “a consciência socialista é algo introduzido de fora e não algo que surja espontaneamente” (LÊNIN, 1978, p. 48). Ainda se usando de Kaustky, Lênin parte do entendimento de que “o socialismo e a luta de classes surgem um ao lado do outro e não derivam um do outro; surgem de premissas diferentes” (Id., 1978, p.48). Ao colocar que o socialismo nasceu “fora” da classe trabalhadora, o papel da Organização ou Partido revolucionário só pode ser o de “injetar” o socialismo nas massas.

Ao averso, dizia a Plataforma

[…] o anarquismo não se origina de reflexões abstratas nem de um intelectual ou filosófo, mas sim da luta direta dos trabalhadores contra o capitalismo, das suas carências […]

O nascimento, o florescimento e a realização das idéias anarquistas têm suas raízes na vida e na luta das massas trabalhadoras e estão inseparavelmente ligadas ao seu destino. (MAKHNO, 2001, p. 40-41)

O materialismo nos ensina que a vida que faz a idéia. Assim, se “a vida domina o pensamento e determina a vontade” para que se estabeleça uma “comunidade de pensamento” ela tem que ser forjada na mesma “comunidade de interesses” (BAKUNIN, 1977, p. 103). Assim, da ação espontânea da classe trabalhadora, provocada, sobretudo, pela sua própria condição objetiva de classe explorada e oprimida, o Partido revolucionário trabalha nem externamente, nem sobre a classe, mas junto a ela em um permanente trabalho de inserção para criar identidade enquanto classe, pois antes de ser “dirigente revolucionário” deve-se ser também militante de base. Isso faz toda a diferença. Pois

[…] o que denominamos ideal do povo não tem nenhuma analogia com as soluções, fórmulas e teorias político-sociais laboradas fora da vida deste, por doutos ou semidoutos, que têm a liberdade para fazê-lo, oferecidas de forma generosa a multidão ignorante como a condição expressa de sua futura organização. Não temos a mínima fé nessas teorias e as melhores dentre elas dão-nos a impressão de leitos de Procusto, muito exíguos para conter o amplo e poderoso curso da vida popular. (BAKUNIN, 2003, p. 237)

O elemento ideológico a ser expresso na organização e no grau de participação dos trabalhadores na luta, tal como o direcionamento dado a ela, representa aquilo que historicamente se constrói em seu seio aliado às condições materiais postas. Disso concluímos que não basta um Partido forte, é preciso uma classe trabalhadora forte e experimentada e isso é a melhor prevenção contra o encastelamento de burocracias.

A lógica do Partido Revolucionário Bolchevique é o espelho da ditadura do proletariado preconizada e a melhor expressão disso é a III Internacional formada em 1919 e anunciada como o “partido comunista único mundial” (CLAUDIN, 1985, p. 27). Se na estratégia do partido bolchevique o objetivo é a tomada do Estado, tendo na Revolução Russa os Sovietes efetivados objetivamente como meios auxiliares para tal, a III Internacional vai transformar-se em meio auxiliar da própria política do dito Estado operário. Certamente isso se intensificou com o triunfo de Stálin, mas teve seu direcionamento e bases assentadas desde o seu berço, pois na época de formação da III Internacional (Komintern) quando a Revolução Russa ainda era encarada como “prólogo da revolução mundial”, se gestava a teoria de que a guerra do capitalismo imperialista (enquanto resultado de seu estágio máximo de desenvolvimento) criava as condições em que bastava formar as “direções revolucionárias” para a classe trabalhadora acompanhar. Dizia que “a um apogeu capitalista, sem precedentes na história, deve suceder um apogeu da luta revolucionária” (Id., 1985, p. 66). Assim, a profundidade do reformismo no movimento operário europeu não parecia ser levada em consideração, tal como a própria capacidade do Capital se recompor. Fernando Claudin enfatiza que se na Rússia a revolução significou para os trabalhadores a paz, naquela altura, de um mundo recém saído de sua I Guerra Mundial, a revolução significaria a volta da guerra (Id., 1985, p. 62).

Essas posições defendidas fazem parte de uma concepção de hierarquização da ação do partido em relação a da classe trabalhadora, sendo o núcleo duro que orienta a prática política do partido bolchevique e seus precursores. Tanto que Trotsky vai fazer suas críticas à burocracia stalinista, mas a propósito do Programa de Transição (1938) afirmava que

As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária. [12]

O papel da vanguarda (Partido) é o de derrotar as direções traidoras, eis o reducionismo na luta dos trabalhadores. Por conta disso o Programa de Transição entende que “a tarefa central da IV Internacional consiste em libertar o proletariado da velha direção, cujo conservantismo se encontra em contradição completa com a situação catastrófica do capitalismo em seu declínio e constitui o principal obstáculo ao progresso histórico” [13].

Na medida em que hierarquiza e põe o Partido acima da classe (movimento), que supervaloriza o aparato dirigente quase que em oposição à capacidade política das classes trabalhadoras, o passo para a concepção de partido único na revolução é conseqüência, ainda que possa querer relativizar a questão. Como resultante disso, a apregoada ditadura do proletariado, só poderá ser, não somente um Estado suposto representante dos trabalhadores, mas um Estado da burocracia do partido que o dirige.

A Organização política de intenção revolucionária deve se ocupar de pensar a questão do poder e da estratégia de ruptura revolucionária, mas não retira como centro do processo revolucionário o protagonismo da classe trabalhadora, muitas vezes tratado apenas como um mero elemento ideológico de agitação política. Portanto, a Organização (ou Partido) que busca cumprir uma tarefa revolucionária não pensa a ruptura sozinha, não a constrói a parte e ainda que assuma tarefas especiais no decorrer do processo – como ações clandestinas, mas em ligação orgânica com a luta pública – não pode pensar em monopolizar as ações da classe trabalhadora. A Organização Política não é um fim em si, mas um meio de promover e intensificar a luta dos trabalhadores.

Quando refutamos a hierarquização da ação do partido à ação da classe trabalhadora, não é por tomar a relação inversa como a verdadeira. O movimento dos trabalhadores não pode estar subordinado à ação de nenhum Partido, ainda que se declare como o “partido revolucionário dos trabalhadores”, mas, da mesma forma, uma Organização que se pretende revolucionária também não se subordina ao grau ideológico e político do movimento de massa. A Organização ou o Partido revolucionário disputa seu programa no interior do movimento de massas. Sua ação então está em contato e diálogo, inclusive, com outras organizações e partidos, sejam de viés reformista seja de viés revolucionário, assim como em luta com a própria ideologia burguesa.

A estratégia de ruptura socialista, que pode ser via estatismo ou via Poder Popular, condiciona todo o trabalho militante. Portanto, a via do Estado, assumida na perspectiva bolchevique, é que os condiciona a hierarquizar e substituir a classe pelo Partido. A estratégia de ruptura que visa o desenvolvimento e fortalecimento do Poder Popular, ao não substituir a classe, trabalha para seguir com esta na tomada de seu papel concreto de sujeito revolucionário, desenvolvendo a consciência e intransigência da classe trabalhadora. É a cisão da concepção entre a minoria que sabe e a maioria que executa, para criar o Poder Popular onde o pensar e o executar se fundem. Dizia a Plataforma que

O anarquismo não aspira ao poder político [Estado] nem à ditadura. Sua principal aspiração é ajudar as massas a tomar o caminho autêntico da revolução social e da construção do socialismo. Mas não é o bastante que as massas tomem o caminho da revolução social. É também necessário manter esta orientação de revolução e seus propósitos: a superação da sociedade capitalista em nome dos trabalhadores livres. Como a experiência da Revolução Russa de 1917 nos mostrou, esta última tarefa está longe de ser fácil, principalmente por causa dos inúmeros partidos que tentam orientar o movimento para uma direção oposta à da revolução social. […]

As massas exigem uma resposta clara e precisa dos anarquistas a respeito destas e de muitas outras questões. E, a partir do momento em que os anarquistas declaram uma concepção de revolução e da estrutura da sociedade, eles são obrigados a dar uma resposta clara à todas estas questões, relacionar a solução destes problemas à concepção geral de comunismo libertário, e devotar todas suas forças à realização destes. (MAKHNO, 2001, p. 46)

A “Plataforma Organizacional dos Anarquistas Russos no Estrangeiro” re-localiza o anarquismo, possibilita a ele superar hesitações e ir na direção de lhe dar organicidade e força para fazer triunfar a luta contra o Estado e o Capital. Fruto de uma derrota histórica da classe trabalhadora, esmagado por concepções estatistas, marca mais uma referência histórica de organização e luta.

Notas:

[1] O Partido Socialista Revolucionário (SR) com o Governo Provisório irá rachar em uma ala de esquerda outra de direita. O SR-direita tomará parte, junto com os mencheviques, no governo de coalizão. Por sua vez, o SR-esquerda estará junto a bolcheviques e anarquistas na oposição revolucionária ao governo.

[2] LÊNIN, V. I.. O Estado e a Revolução. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm. Visto em outubro de 2007.

[3] Idem

[4] A revolta de Kronstadt, base naval situada perto de Petrogrado, foi propagada como a “Terceira Revolução”, vide a insatisfação presente não só pela situação econômica do país, mas também politicamente visto a já desenvolvida repressão bolchevique e seu monopólio nos destinos da revolução. Por isso, reivindica a volta ao “todo poder aos Sovietes”. Segundo Guérin (s.d., p. 134), “a audácia de Kronstadt irá muito mais além do que podia suportar um Lênin ou um Trotsky. Os chefes bolcheviques haviam definitivamente identificados a Revolução com o Partido Comunista e, a seus olhos, tudo o que contrariava esse mito só podia ser “contra-revolucionário”. A ação foi aprovada pelo Congresso do Partido Bolchevique, acionada por Trotsky e liderada por um antigo oficial czarista. Muitos soldados teriam resistido a participar desta operação. A revolta em Kronstadt é aniquilada em 18 de março de 1921. Quando a 50 anos atrás a Comuna de Paris inaugurava a revolução social e apontava sua direção para o fim do Estado, os bolcheviques, por sua vez, afirmava o poder deste sobre os trabalhadores.

[5] VOLIN. La Revolucion Desconecida (Ucrania). Disponível em . Visto em outubro de 2007.

[6] Idem

[7] Idem

[8] Idem

[9] A Plataforma diz que “os amantes da asserção ‘eu’, com o interesse voltado unicamente para o prazer particular, agarram-se obstinadamente ao estado caótico do movimento anarquista” (MAKHNO, 2001, p. 35), se referindo certamente a atividades de “expropriações” realizadas por grupos anarquistas sem conseqüência com a luta dos trabalhadores. Para Piotr Archinov era “a expressão das inclinações fortuitas de pessoas que se encontravam nas fileiras anarquistas apenas por acaso e que tais programas não podiam ter aparecido e ser apresentados nos meios libertários senão em virtude do fraco desenvolvimento da responsabilidade para com o povo e sua Revolução” (Id., 2001, p. 26).

[10] A fonte que utilizamos de Paul Avrich (Los Anarquistas Rusos), costuma se referir a anarco-sindicalistas, anarco-comunistas e individualistas (terroristas e anti-intelectuais). Estas classificações em determinados momentos aparecem confusas e contraditórias. O próprio termo anarco-sindicalismo pode ser impreciso, visto que o sindicalismo revolucionário francês que animava os anarquistas no movimento operário no início do século XX é conceitualmente distinto. O primeiro implica em formação de sindicatos que assumem o anarquismo como programa, enquanto o segundo não compartilha da filiação do sindicato a uma ideologia restrita (anarquista ou marxista, por exemplo).

[11] TROUDA, Dielo. El problema de la organización e la noción de síntese. Disponível em . Visto em outubro de 2007.

[12] TROTSKY, Leon. Programa de Transição. Disponível em http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/09/prog_transicao/index.htm. Visto em outubro de 2007

[13] Idem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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