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Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA). Comunicado sobre o ITHA.

Neste Primeiro de Maio, Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores e Trabalhadoras, o ITHA tem o prazer de anunciar seu novo site multi-idioma (português, inglês, espanhol e francês): www.itha-iath.org. Um momento que nos deixa muito satisfeitas/os, por entendermos que mais um passo foi dado em direção à formação de um espaço que sirva como referência nacional e internacional para a formação e pesquisa anarquista.

Aproveitando o momento, gostaríamos de fazer um breve balanço de nossa trajetória. O Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) surge em 2012, por iniciativa de militantes envolvidos em organizações políticas e movimentos populares, para criar um espaço que servisse de referência para a pesquisa histórica e teórica do anarquismo, priorizando a qualidade dos textos e o rigor metodológico no tratamento do assunto. Quando falamos de rigor metodológico, adotamos a perspectiva de que bons trabalhos de pesquisa possuem métodos, fontes e hipóteses que podem ser testadas mediante o acesso à documentação e suas conclusões. Nesse sentido, rejeitamos aqui a ideia de que a ciência é “só um discurso” e de que “todo método científico se equivale”.

Cabe dizer que nesses 12 anos de existência, o ITHA conseguiu fomentar e publicar um número de trabalhos que se tornaram referência para o estudo, a formação e a investigação séria do anarquismo. Foram mais de 250 artigos publicados em nosso site, em diferentes idiomas e abordagens disciplinares. Também conseguimos, modestamente, apoiar, traduzir ou organizar a edição de inúmeros livros (principalmente em língua portuguesa), vários deles disponibilizados gratuitamente em nosso próprio site.

O ITHA também conseguiu, nesse período, avançar na sua tarefa de formação, realizando inúmeros cursos e minicursos em sindicatos, centros comunitários, universidades e espaços sociais em geral, além daqueles realizados e disponibilizados de forma aberta e online. Cabe dizer que a manutenção e desenvolvimento do projeto do instituto é totalmente independente e não recebemos apoio financeiro de nenhuma entidade ou instituição, tampouco temos pesquisadoras/es “liberadas/os”. Todas as nossas iniciativas são bancadas por apoiadoras/es e pelas/os próprias/os participantes. Os esforços de tradução, manutenção do site, edição e pesquisa são realizados por trabalhadores e trabalhadoras, que usam seu tempo livre de trabalho e militância para esse fim.

Apesar de muitas/os das/os suas/eus participantes terem formação acadêmica, o ITHA não possui atualmente nenhuma interface formal com o espaço acadêmico, não recebendo nenhuma espécie de subsídio ou apoio institucional, o que não impediu que os conceitos e temas desenvolvidos dentro de nosso espaço fossem apropriados por pesquisadores e pesquisadoras que ali estão.

 

O papel de um Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA)

Qual é o papel de um espaço de estímulo à investigação, ao estudo e à formação anarquista? Entendemos que, para além da produção no campo da pesquisa, nossos esforços caminham para apoiar a formação de revolucionárias/os e militantes que desejam transformar radicalmente a realidade. O estímulo à formação, à ciência e ao estudo rigoroso dos problemas sociais sempre foi uma característica presente na história do anarquismo e das lutas populares em geral. Como afirmado pelo anarquista Ricardo Flores Magón, “se [à/ao revolucionária/o] falta a idéia diretriz de sua ação, não será outra coisa senão um barco sem bússola”.

Longe da imagem de uma instrução desinteressada, do diletantismo sem vínculo com as lutas sociais, nosso instituto promove a formação teórica com fins revolucionários, socialistas e libertários, apoiando todos e todas que desejam contribuir modestamente com a grande tarefa da emancipação radical das classes oprimidas. Entendemos que devemos romper com a divisão capitalista entre quem “pensa e quem faz”, ou seja, com a divisão burguesa entre intelectuais e trabalhadoras/es, formalizada pela formação de uma tecnocracia privada ou estatal, que desestimula que trabalhadoras/es possam refletir sobre sua própria realidade. Em nossa concepção de transformação radical da sociedade, toda/o revolucionária/o deve ser, em grande medida, um/a intelectual, disposta/o a pensar teoricamente e, a partir de seu espaço de luta, a transformação radical da sociedade.

Toda/o revolucionária/o deve ser, em grande medida, um/a pesquisador/a. Quando falamos isso, não propomos substituir a prática política pelos livros. Mas a prática política exige a instrução integral, a formação contínua, a análise rigorosa da sociedade e isso exige a formação de um/a militante que seja, na medida de suas possibilidades, um/a pesquisador/a. Tal tarefa, longe de ser uma tarefa individual, só pode ser alcançada por meio de um esforço coletivo, que una teoria e prática. Nesse sentido, cabe a nós combatermos os discursos anti-intelectuais no interior de nossa classe, que ajudam apenas a desarmar as classes oprimidas e a desestimular que estas possam, por si mesmas, produzir teoricamente análises sobre a realidade. Tais discursos apenas ajudam a reforçar a mencionada divisão burguesa entre intelectuais e trabalhadoras/es.

Entendemos que, nesses breves 12 anos, conseguimos avançar em alguns pontos para consolidar nosso projeto. Primeiro, conseguimos manter, regularmente e sem interrupções, um espaço ativo de produção e formação teórica que prima por certa qualidade. Dentro de uma realidade acelerada, em que muitos projetos revolucionários de formação e pesquisa não têm continuidade ou terminam precocemente, tal fato já é digno de ser comemorado. Segundo, nosso método de pesquisa, ao partir de bases mais ou menos comuns (unidade teórica), ao invés da fragmentação da ideia de síntese anarquista ou da noção de espaço de pesquisa baseado nas afinidades pessoais, permitiu desenvolver conceitos, formulações e análises mais coesas e fugir da perspectiva que vê a “unidade” da teoria como um mosaico de visões contraditórias. Terceiro, conseguimos, modestamente, popularizar (ainda que muito mais precise ser feito) nosso esforço de produção de teoria, fazendo com que nossos materiais subsidiassem cartilhas/cursos de formação, podcasts, vídeos e mídias informativas nas redes sociais.

 

O contexto atual da pesquisa sobre anarquismo 

Como um fenômeno existente há mais de 150 anos e responsável por uma parte significativa das mudanças do mundo contemporâneo, o anarquismo é pouco estudado ou conhecido, dentro e fora da academia. As pesquisas sobre o anarquismo vêm sendo realizadas por meio de pesquisadoras/es (simpáticas/os ou não ao anarquismo) e/ou militantes desde o início do século XX. Entre os anos 1960 e 1980 houve uma retomada do interesse nos estudos do anarquismo e, juntamente com o processo de globalização, nos anos 1990, um aumento significativo da disponibilidade de fontes, intercâmbios e acessos às pesquisas sobre este tema.

Mais recentemente, há um processo de renovação dos estudos do anarquismo, principalmente com a perspectiva da História Social e Global, permitindo uma visão mais geral sobre esta ideologia e sua influência no mundo. Também se multiplicaram os arquivos, a possibilidade de acessá-los virtualmente e a disponibilidade de trabalhos e fontes por meio da internet.

Essa profusão de trabalhos em suas variadas perspectivas é certamente benéfica, mas, do ponto de vista militante, é necessário fazer algumas considerações. Primeiro, certamente é positivo que tenha havido uma multiplicação quantitativa e difusão das pesquisas sobre o anarquismo, ainda que nem todas possuam o devido rigor metodológico.

Segundo, também é positivo que o anarquismo seja atualmente mais estudado nas universidades do que antes, mas para os fins que almejamos (a revolução social e o protagonismo do anarquismo revolucionário nesse processo), é necessário construir espaços que não apenas sejam independentes desses espaços, mas que sejam fomentados por militantes-pesquisadoras/es. Terceiro, é inegável que, sob a influência cultural do neoliberalismo, os espaços de produção acadêmica, na maioria dos casos, não sejam abertos às visões ideológicas do anarquismo ou mesmo sejam hostis a elas. Há muitas/os pesquisadoras/es do anarquismo, mas apenas uma pequena parte destas/es, de fato, são militantes interessadas/os na transformação radical da sociedade. Quarto, a relação entre a teoria e a ideologia não pode ser vista apenas como uma relação instrumental, de “caixa de ferramentas”, em que  se pode usar o que quiser e “tudo serve”. Se renegamos o “socialismo científico”, por não acreditarmos que o socialismo é uma ciência (para nós está no campo da ideologia ou doutrina), não negamos que o socialismo e, em específico, o anarquismo, sempre se apoiou na ciência para atingir seus objetivos.

No campo da teoria, não apenas algumas teorias não nos servem, mas, ao adotá-las, negamos os princípios basilares e o projeto de transformação radical do anarquismo. Quinto, sob a hegemonia cultural neoliberal, crescem as perspectivas de um certo tipo de liberalismo radical (que nada têm de anarquismo), amparadas em teóricos/as reformistas, relativistas, anti-classistas ou mesmo neoliberais progressistas, e que possuem no vago epíteto de “rejeição à autoridade” seu frágil ponto de contato com o anarquismo. Tais perspectivas, que, em muitos casos, passaram a ganhar mais projeção teórica dentro do próprio anarquismo do que as perspectivas anarquistas, ao serem incorporadas, comprometem a capacidade de análise rigorosa da sociedade e destróem quaisquer possibilidades de transformação social.

 

Um chamado para a produção teórica e a formação anarquista

Concluímos afirmando que, nesses breves 12 anos, o Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) se mantém aberto às contribuições diversas, seja pelo trabalho de tradução, revisão, diagramação, apoio técnico ou simplesmente produção de pesquisas que estejam de acordo com nossa linha teórica. Nosso trabalho mantendo o ITHA é um trabalho coletivo e que tem como objetivo apoiar e subsidiar teoricamente a militância anarquista em suas organizações específicas e em seus movimentos populares. Em todos esses 12 anos e agora, estamos abertos à contribuição de todos e todas que desejarem se juntar a um processo coletivo de pesquisa, formação e instrução.

Coordenação do ITHA, 01 de Maio de 2024.