Wayne Price. “Um Novo Acordo Verde x Ecossocialismo Revolucionário”
UM NOVO ACORDO VERDE x ECOSSOCIALISMO REVOLUCIONÁRIO
Ecossocialismo: reformista ou revolucionário, estatista ou libertário?
Wayne Price
A ideia de um “Novo Acordo Verde” (Green New Deal) foi levantada em resposta à ameaça climática e à catástrofe ecológica. Duas dessas propostas são analisadas aqui e contrapostas ao programa do ecossocialismo libertário revolucionário.
De acordo com os cientistas do clima, a civilização industrial tem no máximo 12 anos até que o aquecimento global seja irreversível. Isso causará (e já está causando) condições climáticas extremas, extermínio acelerado de espécies, secas e inundações, perda de água utilizável, grandes tempestades, aumento do nível do mar que destruirá ilhas e cidades costeiras, incêndios florestais violentos, perda de safras e, no geral, as condições ambientais nas quais nem humanos nem outros organismos evoluíram para existir. Os resultados econômicos, políticos e sociais serão horríveis.
Os cientistas escrevem que os humanos possuem o conhecimento tecnológico para evitar os piores resultados. Mas isso exigiria enormes esforços para reduzir drasticamente a produção de gases de efeito estufa que retêm o calor. O recente Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas afirma que isso “exigiria transformações rápidas e de longo alcance em energia, terra, cidade e infraestrutura (incluindo transporte e edifícios) e sistemas industriais (…) sem precedentes em termos de escala” (citado em Smith, 2018). No mínimo, isso significa um rápido deslocamento para o fechamento de indústrias extratoras de combustíveis fósseis, deixando a maior parte do petróleo, carvão e gás natural no solo e racionando o que está disponível atualmente. Significa substituí-los por fontes de energia renováveis e de conservação. Isso significa mudanças drásticas nas indústrias de combustível à base de carbono, da construção à manufatura. Significa fornecer empregos e serviços alternativos para todos aqueles que perderam o emprego por causa dessas mudanças.
Em resposta aos avisos dos cientistas, tem havido rumores de preocupação de alguns investidores financeiros, empresários (em indústrias que não utilizam petróleo) e políticos locais. Mas, no geral, a resposta dos políticos convencionais tem sido “negócios de sempre”. As principais propostas para limitar as mudanças climáticas têm sido colocar algum tipo de imposto sobre as emissões de carbono. De liberais a conservadores, isso tem sido elogiado como uma reforma “pró-mercado“. Mas, como Richard Smith (2018) explicou, essas propostas são inadequadas e até fraudulentas. “Se o imposto for muito leve, ele não suprime os combustíveis fósseis o suficiente para ajudar o clima. Mas (…) nenhum governo estabelecerá um preço alto o suficiente para estimular reduções realmente profundas nas emissões de carbono, porque todos eles entendem que isso forçaria as empresas a fecharem os negócios, tiraria emprego de trabalhadores e possivelmente precipitaria uma recessão ou pior”.
Nos EUA, um dos dois principais partidos nega abertamente as evidências científicas como “farsa“. Como se declarasse “Depois de nós, o dilúvio”, suas políticas têm sido aumentar ao máximo a produção de emissões de gases de efeito estufa e outros ataques ao meio ambiente. A outra parte aceita em palavras a realidade do aquecimento global, mas apenas defende medidas inadequadas e limitadas para lidar com ele. Também promoveu o aumento da perfuração, fraturamento hidráulico e queima de combustíveis de carbono. Esses republicanos, democratas e seus patrocinadores corporativos são inimigos da humanidade e da natureza, piores do que os criminosos de guerra.
Na esquerda, houve esforços sérios para enfrentar o desafio colocado pelos cientistas. Vários ecossocialistas e outros radicais defenderam um esforço massivo para mudar o rumo da sociedade industrial. Isso às vezes é chamado de “Novo Acordo Verde”. Essa abordagem é baseada no Novo Acordo (New Deal) de F. D. Roosevelt no contexto da Grande Depressão norte-americana. Seus defensores também costumam basear seus programas na mobilização industrial da Segunda Guerra Mundial que se seguiu ao Novo Acordo (New Deal) (para exemplos, consulte Aronoff, 2018; Ocasio-Cortez, 2018; Rugh, 2018; Simpson, 2018; Smith, 2018; Wikipedia).
É necessário um grande esforço social para mudar nosso curso tecnológico atual. Uma transformação drástica da civilização industrial é necessária se quisermos (na frase de Richard Smith) “salvar os humanos”, bem como nossos semelhantes animais e plantas. Nada menos do que uma revolução é necessária. Ainda assim, acho que há sérias fraquezas nessa abordagem específica, e não apenas por se basear no Novo Acordo (New Deal) e na mobilização da Segunda Guerra Mundial – que não foram revoluções, por mais romantizadas que fossem. Os proponentes de um Novo Acordo Verde são quase todos reformistas – com isso não quero dizer defensores das reformas, mas aqueles que pensam que uma série de reformas será suficiente. Eles são socialistas de Estado que dependem principalmente do Estado para intervir na economia e até mesmo tomá-la; na prática, esse programa cria não o socialismo, mas o capitalismo de Estado.
Da perspectiva do socialismo-anarquista revolucionário, a estratégia do Novo Acordo Verde é problemática porque significa (1) um esforço para modificar o capitalismo existente, não para combatê-lo com o objetivo de derrubá-lo. (2) Como frequentemente afirmado, requer trabalhar por meio do Partido Democrata. (3) Propõe-se a usar o atual Estado nacional como instrumento de mudança. Finalmente (4), embora os defensores falem de mobilização popular e democratização, sua abordagem geral é a centralização de cima para baixo.
PLANOS DE OCASIO-CORTEZ E RICHARD SMITH
Uma participante dos Socialistas Democráticos da América (DSA), Alexandria Ocasio-Cortez acaba de ser eleita para a Câmara dos Representantes como uma democrata insurgente de Queens, NY. Com um grupo de co-pensadores, ela propôs formalmente que a Câmara criasse um Comitê Especial para um Novo Acordo Verde (Ocasio-Cortez, 2018). Este comitê do Congresso elaboraria um plano para a transição para uma economia “verde” não baseada em carbono – embora não tivesse o poder de realmente implementar qualquer plano. Supostamente, isso será levantado no Congresso de 2019.
O comitê desenvolveria um “Plano” para atingir metas tais como “100% de energia nacional de fontes renováveis” em dez anos, uma rede nacional de energia “inteligente“, modernização de edifícios residenciais e industriais para conservação de energia, investimentos na redução de gases do efeito estufa, e tornar a tecnologia “verde” uma grande exportação dos EUA. O ponto central de seu conjunto de metas é “descarbonizar as indústrias manufatureira, agrícola e outras”. “Descarbonizar, reparar e melhorar o transporte e outras infraestruturas” (Ocasio-Cortez, 2018). Supostamente, essas metas seriam implementadas de forma a proporcionar bons empregos, serviços e prosperidade para todos.
Richard Smith é um escritor ecossocialista experiente e perspicaz (com quem aprendi muito, apesar das divergências). Ele tem uma reação geralmente positiva a esta proposta (Smith, 2018). Descrevendo-se como “um membro orgulhoso” da DSA, ele aprova a ideia de Ocasio-Cortez de um programa governamental massivo, baseado no Novo Acordo (New Deal) e na mobilização da Segunda Guerra Mundial, para combater a crise climática. No entanto, ele levanta algumas preocupações significativas, especialmente em torno do objetivo principal de “descarbonização“.
“O que não foi dito é que a descarbonização deve se traduzir em fechamentos e reduções de empresas reais. Como descarbonizar ExxonMobil, Chevron ou Peabody Coal? Descarbonizá-las é levá-las à falência. Além disso, o mesmo é verdadeiro para muitos consumidores industriais associados…”. O que é necessário, conclui ele, é a aquisição governamental dessas indústrias com o objetivo de encerrá-las ou modificá-las drasticamente. “Mas não há menção a fechamentos, reduções, aquisições ou nacionalização”.
Ainda mais importante do que a necessidade de descarbonizar a indústria (nos EUA e internacionalmente), é a necessidade de criar um sistema de produção equilibrado e ecologicamente sustentável. “Talvez a maior fraqueza do Plano do Novo Acordo Verde seja que não é baseado em um entendimento fundamental de que uma economia em crescimento infinito não é mais possível em um planeta finito (…), da necessidade imperativa de decrescimento econômico de muitas indústrias ou da necessidade de abolir indústrias insustentáveis inteiras, de pesticidas tóxicos e descartáveis para fabricantes de armas” (ênfase minha).
Ao contrário de sua colega membro da DSA (e política democrata) Ocasio-Cortez, Smith levanta um programa que exige explicitamente o controle das empresas produtoras de combustíveis fósseis pelo governo (ele observa: “Outros também defenderam a nacionalização para eliminar os combustíveis fósseis”). Ele também pede a nacionalização de indústrias que dependem de combustíveis fósseis: “automóveis, aviação, petroquímica, plásticos, construção, manufatura, transporte, turismo, e assim por diante”. Essas nacionalizações seriam parte de um plano para eliminar os combustíveis fósseis, incorporar a energia renovável, encerrar a extração de combustíveis fósseis, encerrar ou modificar as indústrias que dependem dos combustíveis fósseis e criar grandes programas de empregos governamentais. Isso significa mudar de uma economia baseada em crescimento quantitativo, acumulação e lucros, para uma de “decrescimento [e] desindustrialização substancial”.
Este programa pode parecer revolucionário. “É difícil imaginar como isso poderia ser feito dentro da estrutura de qualquer capitalismo (…). Nossa crise climática clama por algo como uma transição imediata para o ecossocialismo”.
No entanto, Smith se contradiz; ele não apresenta sua proposta como um programa revolucionário. Embora ele proponha a socialização (na forma de nacionalização) de grande parte da economia corporativa, ele não pede a retirada da riqueza e do poder desses setores principais da classe capitalista. “Não clamamos por desapropriação. Propomos uma compra do governo pelo valor justo (…) As empresas podem receber lucrar com a compra”. Haverá “apoio estatal garantido para os investidores (…)”. Além disso, “é talvez concebível, tomando o reordenamento industrial de emergência de guerra de Roosevelt como um precedente, que o (…) plano (…) para aquisição de combustíveis fósseis via nacionalização (…) poderia ser promulgado dentro da estrutura do capitalismo, embora o resultado fosse amplamente uma economia estatal. Roosevelt criou [um] capitalismo dirigido pelo Estado (…)”.
Embora uma abordagem revolucionária seja frequentemente ridicularizada como absurdamente “utópica” e fantástica, este programa reformista é em si uma fantasia. Ele imagina que a classe capitalista e seus políticos comprados e pagos – que resistiram por décadas a quaisquer esforços para limitar o aquecimento global – não lutariam com unhas e dentes contra esse programa. Eles devem aceitar a perda de suas indústrias, mansões, status social, jatos particulares, mídia, influência política e o resto de seu domínio sobre a sociedade – pelo bem do meio ambiente! Com toda probabilidade, para evitar isso, eles estimulariam o racismo, a opressão sexual e o nacionalismo, subsidiariam gangues fascistas, incitariam um golpe militar, distorceriam ou tentariam fechar eleições e proibir as oposições. Tudo isso foi feito repetidamente no passado e está sendo feito parcialmente agora (em uma escala menor – até agora).
No caso (muito) improvável de que os capitalistas aceitassem este programa, eles ainda ficariam com uma grande riqueza fruto da compra, que usariam para lutar para recuperar seu poder. E mesmo no evento (extremamente improvável) de que as indústrias pudessem ser descarbonizadas com sucesso por meio da compra-nacionalização, ainda haveria o problema básico (como Smith havia apontado) do impulso essencial do capitalismo para expandir e acumular lucros, que deve entrar em conflito com vida a sustentável na terra.
Há toda uma história de lutas de classes, de revoluções e contrarrevoluções, que sempre ensinaram a lição de que não existe uma “via parlamentar para o socialismo” pacífica-gradual-eleitoral, incluindo o ecossocialismo. Os radicais deveriam ter aprendido a lição mais recente do partido Syriza na Grécia.
O ESTADO PODE NOS SALVAR?
Central para a concepção de um Novo Acordo Verde é a crença de que o Estado pode salvar os humanos e a biosfera. Para Smith, “salvar o mundo requer o tipo de planejamento econômico em grande escala que apenas os governos podem fazer”. Existe “apenas uma solução imediata: intervenção estatal (…)”. Da mesma forma, a proposta de Ocasio-Cortez afirma: “Não estamos dizendo que não há um papel para os investimentos do setor privado; estamos apenas dizendo que (…) o governo está em melhor posição para ser o principal impulsionador”.
O que Smith, especificamente, está propondo é uma forma de capitalismo de Estado. Ele defende “uma economia amplamente estatal” que pode estar “dentro da estrutura do capitalismo”, construindo, mas indo além do “capitalismo dirigido pelo Estado” de Roosevelt. Há uma tradição radical que também defendeu a nacionalização das grandes empresas e a criação de obras públicas, mas sempre vinculou a estatização a uma demanda por controle e gestão democrática dos trabalhadores. Por exemplo, o Programa de Transição de Trotsky declara: “Onde a indústria militar é ‘nacionalizada’, (…) o slogan do controle dos trabalhadores preserva sua força total. O proletariado tem tão pouca confiança no governo da burguesia quanto em um capitalista individual” (Trotsky 1977; 131). A gestão dos trabalhadores não faz parte da proposta de Smith, nem de Ocasio-Cortez (e saiu do programa da maioria dos trotskistas modernos).
Claro que Richard Smith é um socialdemocrata sincero e um oponente de longa data do totalitarismo stalinista. Mas ele apela a este Estado burguês dos EUA, o Estado criado e dominado pelo capitalismo e imperialismo dos EUA, para assumir a economia e geri-la. Este programa é o capitalismo de Estado. Como resultado, a economia, mesmo que descarbonizada, terá o impulso capitalista para acumular lucros. Assim como foi a União Soviética, ela ainda será inerentemente destrutiva para o equilíbrio ecológico da natureza humana.
Os socialistas de Estado se concentram em culpar a economia de mercado pelos males sociais, como o aquecimento global. Eles veem o Estado como uma instituição externa, neutra, que pode intervir na economia para resolver esses problemas. “Se os capitalistas não fornecem os empregos, então é responsabilidade do governo fazê-lo. Nós, o público votante, [iremos] afirmar nosso controle sobre o governo, não o controle das corporações” (Smith 2018). Em outras palavras, o governo poderia ser dominado pelas corporações (usando seu dinheiro), ou poderia ser dominado pelo povo (usando seus votos). Supostamente, qualquer um deles é possível, em contradição com a experiência de dois séculos de luta de classes.
O Estado é uma instituição socialmente alienada, burocrático-militar e centralizada. Foi criado pelo (e cria o) capitalismo (e sistemas anteriores de exploração) e serve para sustentá-lo – e está totalmente envolvido em todos os males do capitalismo industrial. “A mudança climática é outro efeito do Estado que os governos são incapazes de resolver (…) A infraestrutura de transporte automotivo, agricultura industrial e geração de eletricidade, responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, são construídas e reguladas pelos Estados (…) As indústrias responsáveis pela destruição do planeta dependem de regulamentação governamental, proteção policial e financiamento, e fazem parte de um complexo econômico que está integralmente conectado ao governo (…) Continuar a confiar nos Estados como potenciais solucionadores da mudança climática e da extinção em massa … [é ser] cúmplice da catástrofe” (Gelderloss 2016; 241-2).
Anarquistas e marxistas radicais concordaram que o Estado existente não pode ser usado para defender consistentemente os interesses dos trabalhadores e oprimidos. Às vezes, sob pressão de baixo, esse Estado pode trazer alguns benefícios. Da mesma forma, a gestão de uma empresa pode aumentar os salários dos trabalhadores quando sob ameaça de greve. Mas nem o Estado nem a gestão corporativa estão “do nosso lado”. Certamente os revolucionários podem pressionar o Estado para fazer reformas da mesma forma que os trabalhadores podem fazer greve para forçar os patrões a aumentarem seus salários. Mas esses esforços, ganhe ou perca, não mudam o poder institucional do capital, nas empresas ou no Estado.
Portanto, anarquistas e marxistas radicais têm defendido a derrubada e desmontagem do Estado e sua substituição por instituições alternativas. Em uma introdução ao Manifesto Comunista, Engels modifica seus pontos de vista originais citando Marx, escrevendo: “Uma coisa foi especialmente provada pela Comuna [de Paris de 1871], a saber, que ‘a classe trabalhadora não pode simplesmente se apossar da máquina estatal, e manejá-la para seus próprios fins ‘”(Marx & Engels 1955; 6). O que é exatamente o que Ocasio-Cortez, Smith e outros estão propondo fazer.
Anarquistas e outros socialistas libertários defendem a substituição do Estado por federações de conselhos em locais de trabalho, assembleias de bairro e associações voluntárias, defendidas por um povo armado (milícia), enquanto for necessário. Eles defendem a socialização da economia, não pela propriedade estatal, mas pela substituição do capitalismo por redes de indústrias democraticamente autogeridas, cooperativas de consumo e municípios coletivizados. Eles esperam que a tecnologia produtiva seja modificada pelos trabalhadores, de modo a eliminar a divisão entre trabalho mental e manual e a fim de criar uma sociedade ecologicamente sustentável.
Ocasio-Cortez e outros membros do DSA contam com o Partido Democrata para implementar seu Novo Acordo Verde – um plano que, na opinião de Smith, deve levar à nacionalização de grande parte da economia. No entanto, os democratas estão comprometidos com a gestão de uma economia capitalista privada tradicional. “A maioria dos democratas (…) reconhece que o aquecimento global é real, mas não deu passos significativos para lidar com a escala apocalíptica do problema. (…) Os democratas sempre estão na gangorra entre os interesses de seus doadores empresariais de campanha e as bases de classe média e classe trabalhadora do partido (…) Eles têm se alinhado cada vez mais com os interesses egoístas de seus apoiadores na elite. Os líderes do partido adotaram uma abordagem neoliberal favorável aos negócios sobre as mudanças climáticas, assim como fizeram com quase todo o resto” (Rugh, 2018). Para um relato das ações destruidoras do clima feitas pelos democratas durante o mandato, consulte Dansereau (2018).
(Membros do Partido Verde defendem um “Novo Acordo Verde” faz algum tempo [Wikipedia]. Não estou abordando sua versão do plano neste momento. Os Verdes rejeitam o Partido Democrata, por boas razões, e afirmam defender uma sociedade descentralizada. Mas eles ainda aceitam uma estratégia eleitoral-pacífica-reformista. Eles esperam conquistar o Estado ao eleger seu partido e, em seguida, usar o poder do Estado nacional para transformar o capitalismo realizando um Novo Acordo Verde).
DESCENTRALIZAÇÃO E FEDERALISMO
Richard Smith defende a democracia e o planejamento democrático. Ele propõe “conselhos de planejamento eleitos em nível local, regional, nacional e internacional”. No entanto, seu plano, como o de Ocasio-Cortez, é claramente uma abordagem centralizada de cima para baixo. Outros especialistas em regeneração ecológica (que não são anarquistas) viram as coisas de uma perspectiva mais descentralizada.
Por exemplo, Bill McKibben é há muito um líder do movimento pela justiça climática. Sua principal solução para as mudanças climáticas é a descentralização: “mais economias locais, linhas de abastecimento mais curtas e crescimento reduzido” (McKibben 2007; 180). “(…) O desenvolvimento (…) deve olhar para o local muito mais do que para o global. Deve se concentrar na criação e manutenção de comunidades fortes (…)” (197). “(…) O maior senso de comunidade e a habilidade elevada na tomada de decisão democrática que uma economia mais local implica não apenas aumentará nossos níveis de satisfação com nossas vidas, mas também aumentará nossas chances de sobrevivência (…)” (231).
Naomi Klein declara: “Há um papel claro e essencial para os planos e políticas nacionais (…) mas (…) a implementação real de muitos desses planos [deve] ser a mais descentralizada possível. As comunidades devem receber novas ferramentas e poderes (…). Cooperativas geridas por trabalhadores têm a capacidade de desempenhar um papel importante na transformação industrial. Os bairros [devem ser] planejados democraticamente por seus residentes (…). A agricultura (…) também pode se tornar um setor expandido de autossuficiência descentralizada e redução da pobreza” (Klein, 2014; 133-134).
O marxista Fred Magdoff (um professor de ciência sobre plantas e solo) escreveu: “Cada comunidade e região deve se esforçar, dentro do razoável, para ser o mais autossuficiente possível com relação às necessidades básicas, como água, energia, alimentos e habitação. Não se trata de um apelo à auto-suficiência absoluta, mas sim de uma tentativa de (…) diminuir a necessidade de transporte de longa distância (…). Energia (…) [deve ser] usada perto de onde foi produzida (…) em fazendas menores (…) para produzir altos rendimentos por hectare (…). As pessoas serão incentivadas a viver perto de onde trabalham (…)” (Magdoff, 2014; 30-31). Além disso, “os locais de trabalho (incluindo fazendas) serão controlados e gerenciados pelos trabalhadores e pelas comunidades em que estão localizados” (29).
Compare com os pontos de vista do anarquista e ecologista social Murray Bookchin: “As entidades cívicas podem ‘municipalizar’ suas indústrias, serviços públicos e terras vizinhas tão efetivamente quanto qualquer Estado socialista. (…) Uma empresa administrada por um município seria uma empresa controlada por trabalhadores e cidadãos, destinada a servir às necessidades humanas e ecológicas (…) [Haveria] a substituição do Estado-nação pela confederação municipal” (Bookchin 1986; 160). A aquisição da indústria do petróleo poderia ser uma questão nacional e internacional, administrada por meio de uma confederação, enquanto o uso de energia renovável seria implementado principalmente pelas comunas locais.
Em suma, a riqueza e o poder dos capitalistas devem ser tirados deles (expropriados) pela auto-organização da classe trabalhadora e seus aliados. O capitalismo deve ser substituído por uma sociedade que seja descentralizada e cooperativa, produzindo para uso ao invés de lucro, democraticamente autogerida no local de trabalho e na comunidade, e federada desde o nível local até o nível nacional e internacional. Deve haver tanta descentralização quanto for razoavelmente possível e tão pouca centralização quanto for absolutamente necessário. É necessária uma coordenação econômica geral em nível nacional, continental e mundial, por federações de indústrias e comunidades autogovernadas, mas não por Estados capitalistas burocrático-militares. Isso é ecossocialismo na forma de eco-anarquismo.
MAS SEJAMOS REALISTAS
Os endossantes do Novo Acordo Verde o veem como uma proposta realista para mobilizar massas de pessoas e mudar a ecologia. Eles consideram um programa de ecossocialismo libertário revolucionário como irreal, um obstáculo para o breve tempo que resta para salvar o mundo. Devemos agir rapidamente, dizem eles, com propostas que a maioria das pessoas pode aceitar, apelando ao Estado para assumir.
Este é em si um exemplo do que C. Wright Mills chamou de “realismo maluco“. A ideia de que o Partido Democrata endossaria um plano na próxima sessão do Congresso do Partido para desenvolver um programa de refazer o capitalismo norte-americano, talvez nacionalizando grande parte da economia, e depois aprová-lo no Congresso dos Estados Unidos – é, digamos, improvável. Com todo o respeito aos seus proponentes (com os quais compartilho valores), são como o bêbado que procura as chaves perdidas sob o poste de luz, porque ali há luz, embora as chaves certamente esteriaam em outro lugar.
Smith refere-se à “descarbonização” como “uma demanda de transição auto-radicalizante”. Ele espera que “uma campanha vigorosa por este Plano mostre porque o capitalismo não pode resolver a pior crise que já criou e incentive as demandas de (…) planejamento do governo para suprimir as emissões (…). Com uma (…) mobilização monumental em torno deste Novo Acordo Verde (…) podemos inviabilizar o impulso capitalista para o colapso ecológico e construir uma civilização ecossocialista (…)”.
Em outras palavras, ele defende a construção de um movimento de massa pelo Novo Acordo Verde de Ocasio-Cortez (que ele considera inadequado como proposta), e/ou seu plano mais radical (nacionalização baseada na compra das propriedades dos capitalistas). Ele espera que as pessoas tomem consciência dos limites de qualquer pro-capitalismo, porque a “campanha mostrará por que o capitalismo não pode resolver a crise”. No entanto, ele não se propõe a dizer à classe trabalhadora e ao resto da população que uma ordem pro-capitalista “não pode resolver a crise”. Em vez disso, ele defende um plano que é uma expansão do “capitalismo dirigido pelo Estado” de Roosevelt. Aparentemente, ele espera que as pessoas cheguem à conclusão de que “o capitalismo não pode resolver a crise” por si mesmas – ou talvez com alguma ajuda dos reformistas, socialistas de Estado, apoiadores do Partido Democrata e Socialistas Democráticos da América. Um resultado ecossocialista é muito mais provável se já houver radicais dizendo a verdade sobre o capitalismo, desde o início, mesmo que seja, até agora, impopular fazê-lo.
Os revolucionários há muito argumentam que mesmo as reformas têm maior probabilidade de serem ganhas quando os governantes temem um movimento militante, agressivo e revolucionário, ou pelo menos uma ala revolucionária de um movimento mais amplo. “Reformas”, neste caso, seriam medidas para conter e mitigar os efeitos do aquecimento global causados pela indústria capitalista, mesmo usando o Estado capitalista. Essas reformas não podem ser ganhas por um movimento ambientalista que tenta ser “razoável” e “respeitável”, especialmente se tiver uma esquerda radical que se oferece para comprar as grandes empresas e permanecer dentro da estrutura do capitalismo.
Não podemos dizer o que é razoável esperar. A consciência popular de hoje não é o que será amanhã. As próprias crises do clima e do meio ambiente vão mudar isso. A crise climática irá interagir com a iminente crise econômica e com a turbulência contínua sobre raça, imigração, gênero e orientação sexual. Sem mencionar guerras sem fim. Com tais abalos na vida dos trabalhadores e jovens, pode haver uma abertura para um programa ecossocialista anarquista revolucionário. Não se sabe se isso vai se desenvolver com o tempo. Mas não devemos desistir da história.
Em conclusão, os ecossocialistas libertários revolucionários devem apoiar todas as lutas sinceras por reformas, incluindo aquelas que defendem a ação do Estado, e participar desses movimentos. Mas eles devem sempre apontar as limitações e perigos desses programas. eles devem sempre levantar a meta de uma federação descentralizada de instituições autogeridas como a única sociedade capaz de harmonia ecológica e liberdade.
A questão não é apenas se o capitalismo é compatível com o equilíbrio ecológico e o fim das mudanças climáticas. A questão também é sobre a natureza do Estado e se o Estado é compatível com a prevenção de catástrofes ecológicas. Essas questões devem determinar nossa atitude em relação às propostas de um Novo Acordo Verde.
02 de Janeiro de 2019
REFERÊNCIAS
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Aronoff, Kate (2018). “A Mandate for Left Leadership.” The Nation (12/31/18). Pp. 18—20, 26.
Bookchin, Murray (1986). The Modern Crisis. Philadelphia PA: New Society Publishers.
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Gelderloos, Peter (2016). Worshipping Power: An Anarchist View of Early State Formation. Chico CA: AK Press.
Klein, Naomi (2014). This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate. NY: Simon & Schuster.
Magdoff, Fred (Sept. 2014). “Building an Ecologically Sound and Socially Just Society.” Monthly Review (v. 66; no. 4). Pp. 23—34.
Marx, Karl, & Engels, Friedrich (1955). The Communist Manifesto. Northbrook IL: AHM Publishing.
McKibben, Bill (2007). Deep Economy: The Wealth of Communities and the Durable Future. NY: Henry Holt/Times Books.
Ocasio-Cortez, Alexandria (2018). ”Select Committee for a Green New Deal: Draft Text for Proposed Addendum to House Rules for 116th Congress of the United States” https:// ocasio2018.com/green-new-deal
Rugh, Peter (2018). “Gearing Up for a Green New Deal.” The Indypendent. Issue 242. https://indypendent.org/2018/12/gearing-up-for-a-green-new-deal/
Simpson, Adam (2018). “The Green New Deal and the Shift to a New Economy” The Next System Podcast. https://thenextsystem.org/learn/stories/green-new-deal-and-shift-new-economy
Smith, Richard (2018). “An Ecosocialist Path to Limiting Global Temperature Rise to 1.5 [degrees] C” System Change Not Climate Change. (An abridged version of a paper to appear in 3/1/19 Real-World Economics Review.) https://systemchangenotclimatechange.org/article/ecosocialistpath-limiting-global-temperature-rise-15
Trotsky, Leon (1977). The Transitional Program for Socialist Revolution. NY: Pathfinder Press.
Wikipedia, (undated). “Green New Deal.” https://en.wikipedia.org/wiki/Green_New_Deal
Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/wayne-price-a-green-new-deal-vs-revolutionary-ecosocialism
Traduzido por: Arthur Castro