Escuta, Marxista – Parte III

O Mito do Proletariado

Murray Bookchin

Coloquemos de lado todos os fragmentos ideológicos do passado e olhemos para as raízes teóricas do problema. Para a nossa época, a maior contribuição de Marx ao pensamento revolucionário é sua dialética do desenvolvimento social. Marx desnudou o grande movimento desde o comunismo primitivo através da propriedade privada até o comunismo na sua mais elevada forma – uma sociedade comunal apoiada em uma tecnologia libertadora. Nesse movimento, de acordo com Marx, o homem passa da dominação do homem pela natureza para a dominação do homem pelo homem, e finalmente à dominação da natureza pelo homem[7] e da dominação social dela. Dentro desta dialética maior, Marx examina a dialética do próprio capitalismo – um sistema social que constitui o último “estágio” histórico na dominação do homem pelo homem. Aqui, Marx não somente faz profundas contribuições ao pensamento revolucionário contemporâneo (particularmente em sua brilhante análise da relação da mercadoria), mas também exibe as limitações de tempo e lugar que têm um papel tão restritivo em nossa própria época.

A mais séria dessas limitações emerge da tentativa de Marx de explicar a transição do capitalismo para o socialismo, de uma sociedade de classes para uma sociedade sem classes. É vitalmente importante enfatizar que essa explicação tinha origem quase que inteiramente na analogia com a transição do feudalismo para o capitalismo – isto é, de uma sociedade de classes para outra sociedade de classes, de um sistema de propriedade para outro. Do mesmo modo, Marx aponta que assim como a burguesia desenvolveu-se dentro do feudalismo como resultado da cisão entre cidade e campo (mais precisamente, entre ofício e agricultura), assim o proletariado moderno desenvolveu-se dentro do capitalismo como resultado do avanço da tecnologia industrial. Ambas as classes, disseram-nos, desenvolveram interesses sociais próprios – de fato, interesses sociais revolucionários que as lançam contra a antiga sociedade na qual foram geradas. Se a burguesia obteve controle sobre a vida econômica muito antes de destruir a sociedade feudal, o proletariado, por sua vez, obtém seu próprio poder revolucionário pelo fato de ser “disciplinado, unido, organizado” pelo sistema da fábrica.[8] Em ambos os casos, o desenvolvimento de forças produtivas torna-se incompatível com o sistema tradicional de relações sociais. “O revestimento está rompido”. A nova sociedade é substituída pela nova.

A questão crítica com que nos deparamos é a seguinte: podemos explicar a transição de uma sociedade de classes para uma sociedade sem classes através da mesma dialética que considera a transição de uma sociedade de classes para outra? Esse não é um problema teórico que envolve o julgamento de abstrações lógicas, mas um assunto muito real e concreto para nossa época. Há diferenças profundas entre o desenvolvimento da burguesia sob o feudalismo e o desenvolvimento do proletariado sob o capitalismo que Marx ou falhou por antecipar ou nunca encarou claramente. A burguesia controlava a vida econômica muito antes de tomar o poder estatal; ela tornou-se a classe dominante material, cultural e ideologicamente, antes de afirmar sua dominação política. O proletariado não controla a vida econômica. A despeito de seu papel indispensável no processo industrial, a classe trabalhadora industrial não é nem mesmo a maioria da população, e sua posição econômica estratégica está diminuindo pela cibernação e outros avanços tecnológicos.[9] Por isso, é preciso um ato de alta consciência para o proletariado usar seu poder para alcançar uma revolução social. Até agora, o alcance dessa consciência foi bloqueado pelo fato de que o meio da fábrica é uma das mais entrincheiradas arenas da ética do trabalho, de sistemas hierárquicos de gestão, de obediência a líderes, e, em tempos recentes, de produção empenhada a mercadorias supérfluas e armamentos. A fábrica não serve apenas para “disciplinar”, “unir” e “organizar” os trabalhadores, mas também para fazê-lo de um modo completamente burguês. Na fábrica, a produção capitalista não apenas renova as relações sociais do capitalismo com cada dia de trabalho, como observou Marx, ela ainda renova a psique, ideias, valores e ideologias do capitalismo.

Marx percebeu suficientemente esse fato para procurar razões mais fortes que o mero fato da exploração ou que conflitos sobre salários e horas de trabalho para impulsionar o proletariado à ação revolucionária. Em sua teoria geral de acumulação capitalista, ele tentou delinear as severas e objetivas leis que forçam o proletariado a assumir um papel revolucionário. Do mesmo modo, ele desenvolveu sua famosa teoria da imiseração: a competição entre capitalistas leva-os a diminuir os preços dos outros, o que, por sua vez, leva a uma contínua redução de salários e ao absoluto empobrecimento dos trabalhadores. O proletariado é compelido a se revoltar porque, com o processo de competição e de centralização do capital, “cresce a massa de miséria, opressão, escravidão e degradação”.[10]

Mas o capitalismo não estancou desde os tempos de Marx. Escrevendo em meados do século XIX, não se pode esperar que Marx compreendesse todas as consequências de seus entendimentos sobre a centralização do capital e o desenvolvimento da tecnologia. Não se pode esperar que ele tivesse previsto que o capitalismo se desenvolveria não somente do mercantilismo para a forma industrial dominante de seu tempo – dos monopólios comerciais ajudados pelo Estado para unidades industriais altamente competitivas – mas mais, que com a centralização do capital, o capitalismo retornasse às suas origens mercantilistas em um nível mais alto de desenvolvimento e reassumisse a forma monopolista com ajuda estatal. A economia tende a se fundir com o Estado e o capitalismo começa a “planejar” seu desenvolvimento, ao invés de deixá-lo exclusivamente para a interação de competição das forças do mercado. Para estar seguro, o sistema não abole a luta de classes tradicional, mas manobra para contê-la, usando seus imensos recursos tecnológicos para assimilar as partes mais estratégicas da classe trabalhadora.

Assim, o impulso inteiro da teoria da miséria é diminuído e, nos Estados Unidos, a luta de classes tradicional falha em se tornar a guerra de classes. Ela permanece inteiramente dentro de dimensões burguesas. O marxismo, na verdade, torna-se uma ideologia. É assimilado pelas mais avançadas formas de movimento de Estado capitalista –particularmente a Rússia. Por uma ironia incrível da história, o “socialismo” marxista torna-se, em grande parte, o verdadeiro Estado capitalista que Marx não conseguiu antecipar na dialética do capitalismo.[11] O proletariado, ao invés de desenvolver-se como uma classe revolucionária dentro do ventre do capitalismo, torna-se um órgão dentro do corpo da sociedade burguesa.

A pergunta que devemos fazer neste recente momento da história é se uma revolução social que pretende alcançar uma sociedade sem classes pode emergir de um conflito entre classes tradicionais em uma sociedade de classes, ou se tal revolução social pode emergir somente da decomposição das classes tradicionais, realmente da emergência de uma “classe” inteiramente nova cuja verdadeira essência é que ela é uma não-classe, um crescente estrato de revolucionários. Na tentativa de responder essa questão, podemos aprender mais retornando à dialética mais ampla que Marx desenvolveu para a sociedade humana como um todo do que do modelo que ele pegou emprestado da passagem da sociedade feudal para a capitalista. Assim como os clãs de consanguinidade começaram a se dividir em classes, em nossos dias há uma tendência de as classes se decomporem em subculturas inteiramente novas que têm semelhança com formas não capitalistas de relacionamentos. Elas não mais são grupos econômicos estritamente; refletem, na verdade, a tendência do desenvolvimento social transcender as categorias econômicas da sociedade da escassez. Elas constituem, com efeito, uma pré-formação crua e ambígua do movimento da sociedade da escassez para a da pós-escassez.

O processo da decomposição de classe tem de ser entendido em todas as suas dimensões. A palavra “processo” tem de ser enfatizada aqui: as classes tradicionais não desaparecem, nem a luta de classe. Somente uma revolução social pode remover a estrutura da classe prevalecente e as causas do conflito. A questão é que a luta de classes tradicional deixa de ter implicações revolucionárias; ela se revela como a fisiologia da sociedade prevalente, não como as dores de trabalho de parto. Na realidade, a luta de classes tradicional estabiliza a sociedade capitalista “corrigindo” seus abusos (em salários, horas de trabalho, inflação, emprego etc.). Os sindicatos, na sociedade capitalista, constituem um “contramonopólio” em relação aos monopólios industriais e são incorporados à economia estatizada neomercantil como um Estado. Dentro desse Estado, há conflitos maiores ou menores, mas, tomados como um todo, os sindicatos fortalecem o sistema e servem para perpetuá-lo.

Reforçar essa estrutura de classe tagarelando sobre o “papel da classe trabalhadora”, reforçar a luta de classes tradicional dando-lhe um caráter “revolucionário”, infectar o novo movimento revolucionário de nossa época com “trabalhite” é tornar o núcleo reacionário. O quão frequentemente as doutrinas marxistas têm de ser lembradas que a história da luta de classes é a história de uma doença, das feridas abertas pela famosa “questão social”, do desenvolvimento monofacetado do homem na tentativa de obter controle sobre a natureza e dominar seu companheiro homem? Se o efeito colateral dessa doença foi avanço tecnológico, os efeitos principais foram repressão, um horrível derramamento de sangue humano e uma aterrorizante distorção da psique humana.

À medida que a doença se aproxima de seu fim, que a ferida começa a curar em seus mais profundos recônditos, o processo agora se desdobra em direção à totalidade; as implicações revolucionárias da luta de classes tradicional perdem seu significado como construções teóricas e como realidade social. O processo de decomposição envolve não somente a estrutura tradicional de classes, mas também a família patriarcal, modos autoritários de aceitação, a influência da religião, as instituições do Estado, e as tradições construídas ao redor de trabalho, renúncia, culpa e sexualidade reprimida. O processo de desintegração, em suma, agora se torna generalizado e virtualmente afeta todas as classes, valores e instituições. Ele cria questões inteiramente novas, modos de luta e formas de organização e chamadas para uma abordagem inteiramente nova à teoria e prática.

O que isso significa concretamente? Deixe-nos contrastar duas abordagens, a marxista e a revolucionária. A doutrina marxista teria nos mostrado o trabalhador – ou melhor, “entrado” na fábrica – e feito proselitismo a ele em “preferência” a qualquer outra pessoa. O objetivo? Formar a “consciência de classe” do trabalhador. Para citar os exemplos mais neandertais da velha esquerda, corta-se o cabelo, arruma-se em roupas esportivas convencionais, troca-se maconha por cigarros e cerveja, dança-se convencionalmente, aparentam-se maneirismos rudes, e se desenvolve uma aparência sem humor, inexpressiva e jactanciosa.[12]

Essa pessoa torna-se, em resumo, o trabalhador em sua pior caricaturização: não um “burguês trivial degenerado”, verdade, mas um burguês degenerado. Essa pessoa torna-se uma imitação do trabalhador na medida em que o trabalhador é uma imitação de seus mestres. Sob a metamorfose do estudante para o “trabalhador” se esconde um cinismo depravado. Essa pessoa tenta usar a disciplina inculcada pelo ambiente da fábrica para disciplinar o trabalhador para o ambiente do partido. Essa pessoa tenta usar o respeito do trabalhador pela hierarquia industrial para ligar o trabalhador à hierarquia partidária. Esse processo lamentável, que, se bem-sucedido, pode levar somente à substituição de uma hierarquia por outra, é alcançado pela preocupação fingida com as reivindicações econômicas cotidianas do trabalhador. Mesmo a teoria marxista é degradada para concordar com essa imagem falsificada do trabalhador. (Veja quase toda cópia do Challenge – o National Enquirer da esquerda. Nada chateia mais o trabalhador do que esse tipo de literatura.) No final, o trabalhador é inteligente o suficiente para saber que obterá melhores resultados na luta de classes cotidiana através de sua burocracia sindical que através de uma burocracia partidária marxista. Os anos quarenta revelaram isso tão dramaticamente que, em um ou dois anos, com apenas algum protesto de seus membros, os sindicatos conseguiam expulsar milhares de “marxistas” que fizeram os trabalhos pioneiros por mais de uma década, até mesmo ascendendo à liderança da velha CIO internacional.

O trabalhador torna-se um revolucionário não tornando-se mais um trabalhador, mas desfazendo seu “trabalhidade”[13]. E nisso ele não está sozinho; o mesmo se aplica ao fazendeiro, ao soldado, ao burocrata, ao profissional – e ao marxista. O trabalhador não é menos um “burguês” que o fazendeiro, o estudante, o caixeiro, o soldado, o burocrata, o profissional – e que o marxista. Sua “trabalhidade” é a doença de que ele sofre, a aflição social encaixada em dimensões individuais. Lênin entendeu isso em Que fazer?, mas ele o introduziu na velha hierarquia sob uma bandeira vermelha e alguma verborreia revolucionária. O trabalhador começa a tornar-se revolucionário quando desfaz sua “trabalhidade”, quando vem a detestar seu status de classe aqui e agora, quando começa a largar exatamente essas características que o marxismo mais preza nele – sua ética de trabalho, sua estrutura de caráter derivada da disciplina industrial, seu respeito pela hierarquia, sua obediência a líderes, seu consumismo, seus vestígios de puritanismo. Nesse sentido, o trabalhador torna-se um revolucionário no grau em que larga seu status de classe e alcança uma consciência de não classe. Ele degenera – e ele degenera magnificamente. O que ele está abandonando são precisamente aquelas amarras de classe que o ligam a todos os sistemas de dominação. Ele abandona esses interesses de classe que o escravizam ao consumismo, à vida suburbana e uma visão mercantil da vida.[14]

O desenvolvimento mais promissor nas fábricas hoje em dia é a emergência dos jovens trabalhadores que fumam maconha, estão se fodendo para seus trabalhos, entram e saem das fábricas, deixam o cabelo crescer, exigem mais lazer ao invés de mais salários, roubam, acossam todas as figuras de autoridade, vão a greves não aprovadas pelo sindicato e incitam seus companheiros trabalhadores. Ainda mais promissora é a emergência desse tipo humano nas escolas vocacionais[15] e ensino médio, o suprimento da classe trabalhadora industrial por vir. Ao nível que trabalhadores, estudantes vocacionais e estudantes de ensino médio ligam seus estilos de vida a vários aspectos da cultura anárquica jovem, nesse nível o proletariado será transformado de uma força de conservação da ordem estabelecida para uma força revolucionária.

Uma situação qualitativamente nova emerge quando o homem enfrenta a transformação de uma sociedade de classes repressiva, baseada na escassez material, para uma sociedade sem classes libertadora, baseada na abundância material. Da decomposição da estrutura tradicional de classes, um novo tipo humano é criado em números sempre crescentes: o revolucionário. Esse revolucionário começa a desafiar não somente as premissas econômicas e políticas da sociedade hierárquica, mas a hierarquia em si. Ele não somente levanta a necessidade de uma revolução social, mas também tenta viver de uma maneira revolucionária no nível em que isso é possível na sociedade existente.[16] Ele não apenas ataca as formas criadas pelo legado de dominação, mas também improvisa novas formas de libertação que tomam sua poesia do futuro.

Essa preparação para o futuro, essa experimentação com formas libertadoras pós-escassez de relações sociais pode ser ilusória se o futuro envolve uma substituição de uma sociedade de classe por outra; é indispensável, contudo, se o futuro envolve uma sociedade sem classes construída nas ruínas de uma sociedade de classes. O que, então, será o “agente” da mudança revolucionária? Ela será literalmente a grande maioria da sociedade, retirada de todas as diferentes classes tradicionais e fundida em uma força revolucionária comum pela decomposição das instituições, formas, valores e estilos sociais da estrutura de classes prevalente. Tipicamente, seus elementos mais avançados são a juventude – uma geração que não conheceu crise econômica crônica e que está se tornando menos e menos orientada ao mito de segurança material tão disseminado entre a geração dos anos trinta.

Se é verdade que a revolução social não pode ser alcançada sem o apoio ativo ou passivo dos trabalhadores, não é menos verdade que ela não pode ser alcançada sem o apoio ativo ou passivo dos agitadores, técnicos e profissionais. Acima de tudo, uma revolução social não pode ser alcançada sem o apoio da juventude, da qual a classe dominante recruta suas forças. Se a classe dominante retém seu poder armado, a revolução está perdida, não importam quantas greves de trabalhadores em seu apoio sejam feitas. Isso foi vividamente demonstrado não somente pela Espanha dos anos trinta, mas pela Hungria dos anos cinquenta e pela Tchecoslováquia dos anos sessenta. A revolução de hoje – pela sua própria natureza, de fato, por sua perseguição da totalidade – conquista não somente o soldado e o trabalhador, mas a própria geração da qual soldados, trabalhadores, técnicos, fazendeiros, cientistas, profissionais e até mesmo burocratas foram recrutados. Descartando os manuais revolucionários do passado, a revolução do futuro segue o caminho de menor resistência, seguindo seu caminho nas áreas mais suscetíveis da população, independentemente de sua “posição de classe”. Ela é nutrida por todas as contradições na sociedade burguesa, não somente pelas contradições da década de 1860 e de 1917. Assim, ela atrai todos aqueles que sentem o peso da exploração, pobreza, racismo, imperialismo e, sim, aqueles cujas vidas são frustradas por consumismo, vida suburbana, a mídia de massa, a família, a escola, o supermercado e o sistema prevalente de sexualidade reprimida. Aqui a forma da revolução torna-se tão total quanto seu conteúdo – sem classe, sem propriedade, sem hierarquia, e totalmente libertadora.

Cambalear nesse desenvolvimento revolucionário com as receitas gastas do marxismo, tagarelar sobre uma “divisão de classes” e o “papel da classe trabalhadora”, corresponde a uma subversão do presente e do futuro pelo passado. Elaborar essa entediante ideologia tagarelando sobre “revolucionários profissionais”, um “partido de vanguarda”, “centralismo democrático” e a “ditadura do proletariado” é pura contrarrevolução. É a esse assunto da “questão organizacional” – essa contribuição vital do leninismo ao marxismo – a que devemos dar agora alguma atenção.

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[7] Por razões ecológicas, não aceitamos a noção da “dominação da natureza pelo homem” no sentido simplista que foi transmitido por Marx um século atrás. Para uma discussão desse problema, ver Ecologia e Pensamento Revolucionário.

[8] É irônico que os marxistas que falam sobre o “poder econômico” do proletariado estejam, na verdade, ecoando a opinião dos anarcossindicalistas, uma opinião a que Marx se opôs asperamente. Marx não estava preocupado com o “poder econômico” do proletariado, mas com seu poder político; particularmente com o fato de que ele se tornou a maioria da população. Ele estava convencido de que os trabalhadores industriais seriam guiados à revolução primeiramente pela destituição material que sucederia a tendência de acumulação capitalista; de modo que, organizado pelo sistema da fábrica e disciplinado por uma rotina industrial, eles seriam capazes de constituir sindicatos e, acima de tudo, partidos políticos, que em alguns países seriam obrigados a usar métodos insurrecionários e, em outros (Inglaterra, Estados Unidos e, anos depois, acrescentou Engels, França) poderiam chegar ao poder através de eleições e legislar para colocar em prática o socialismo. Distintamente, o Progressive Labor Party esteve com os leitores do Challenge [jornal bi-semanal do PLP (N. do T.)], deixando observações importantes não traduzidas, ou distorcendo grosseiramente a intenção de Marx.

[9] Este é um bom local para descartar a noção de que qualquer um é um “proletário” que não tem nada a vender, exceto seu poder de trabalho. É verdade que Marx definiu o proletariado nesses termos, mas ele também elaborou uma dialética histórica sobre o desenvolvimento do proletariado. O proletariado se desenvolve a partir de uma classe explorada e sem propriedades, alcançando sua mais avançada forma no proletariado industrial, que corresponde à mais avançada forma de capital. Nos anos seguintes de sua vida, Marx veio a desprezar os trabalhadores parisienses, que estavam comprometidos principalmente na produção de bens de luxo, citando “nossos trabalhadores alemães” – o tipo mais robô da Europa – como o proletariado “modelo” do mundo.

[10] A tentativa de descrever a teoria da imiseração em termos internacionais, ao invés de nacionais (como o fez Marx), é puro subterfúgio. Em primeiro lugar, esse truque teórico simplesmente tenta colocar à parte a questão de por que a imiseração não ocorreu dentro dos baluartes do capitalismo, as únicas áreas que formam um ponto de partida tecnologicamente adequado para uma sociedade sem classes. Se prendermos nossas esperanças no mundo colonial como “o proletariado”, essa posição esconde um perigo muito real: genocídio. Os Estados Unidos e sua recente aliada, a Rússia, têm todos os meios técnicos para colocar o mundo subdesenvolvido em submissão por seu poder bélico. Uma ameaça espreita no horizonte histórico – o desenvolvimento dos Estados Unidos como um império verdadeiramente fascista do tipo nazista. É besteira absoluta dizer que este país é um “tigre de papel” [expressão usada por Mao Tse-Tung se referindo aos EUA, em 1956 (N. do T.)]. Ele é um tigre termonuclear e a classe dominante americana, carecendo de qualquer limitação moral, é capaz até mesmo de ser mais cruel que a alemã.

[11] Lênin o percebeu e descreveu “socialismo” como “nada mais que um monopólio do estado capitalista feito para beneficiar todo o povo”. Essa é uma afirmação extraordinária, se se estudam suas implicações, e uma grande contradição.

[12] Sobre essa questão, a Velha Esquerda projeta sua própria imagem neandertal no trabalhador americano. Na verdade, essa imagem se aproxima mais do personagem do burocrata sindical ou do comissário stalinista.

[13] No original, “workerness”, entre aspas. Deve ser entendido como um neologismo que se refere ao trabalho. (N. do T.).

[14] O trabalhador, nesse sentido, começa a se aproximar dos tipos humanos socialmente transicionais que proveram a história com seus elementos mais revolucionários. Geralmente, o “proletariado” foi mais revolucionário em períodos transicionais, quando ele era menos “proletarizado” psiquicamente pelo sistema industrial. Os grandes focos das resoluções clássicas dos trabalhadores foram Petrogrado e Barcelona – lá os trabalhadores foram diretamente desarraigados de uma prática camponesa – e Paris – lá eles ainda se baseavam em ofícios, ou vinham diretamente de uma prática de ofícios. Esses trabalhadores tinham a maior dificuldade em se aclimatar à dominação industrial e se tornaram uma fonte contínua de inquietação social e revolucionária. Por outro lado, a classe trabalhadora hereditariamente estável tendia a ser surpreendentemente não revolucionária. Mesmo no caso de trabalhadores alemães que eram citados por Marx e Engels como modelos para o proletariado europeu, a maioria não apoiava os espartaquistas de 1919. Eles retornaram como ampla maioria de social-democratas no Congresso de Conselhos de Trabalhadores, e no Reichstag anos depois, e se reuniam consistentemente sob o Partido Social Democrata em 1933.

[15] Escolas que ensinam certas características para ter certos empregos. Semelhante a um curso técnico. (N. do T.)

[16] Esse estilo de vida revolucionário pode se desenvolver nas fábricas assim como nas ruas, em escolas assim como em crash pads [tipo de habitação coletiva parecida com okupas, e squats (N. do T.)], nos subúrbios assim como no leste da área da baía de San Francisco. Sua essência é a rebeldia, e uma “propaganda pelo ato” pessoal que corrói todas as tradições, instituições e lemas de dominação. À medida que a sociedade começa a se aproximar do princípio do período revolucionário, as fábricas, escolas e bairros tornam-se a verdadeira arena da “brincadeira” revolucionária – uma “brincadeira” que tem um núcleo muito sério. Greves tornam-se uma condição crônica e são convocadas por seu próprio interesse de quebrar a aparência da rotina, para desafiar a sociedade quase de hora em hora, para quebrar o ânimo da normalidade burguesa. Esse novo ânimo dos trabalhadores, estudantes e pessoas dos bairros é um precursor vital ao verdadeiro momento da transformação revolucionária. Sua mais consciente expressão é a reivindicação de “autogestão”; o trabalhador recusa-se a ser um ser “gestionado”, um ser de classe. Esse processo foi mais evidente na Espanha, às vésperas da revolução de 1936, quando trabalhadores em quase todo município e cidade convocaram greves “por prazer” – para expressar sua independência, seu senso de despertar, sua quebra com a ordem social e com as condições de vida burguesas. Foi também uma característica essencial da greve geral de 1968 na França.