Wayne Price. “Algumas Lições da História Revolucionária”

ALGUMAS LIÇÕES DA HISTÓRIA REVOLUCIONÁRIA

Resenha de Revolution, Defeat, and Theoretical Underdevelopment: Russia, Turkey, Spain, Bolivia (2017), de Loren Goldner

Wayne Price

 

 

Este livro reúne um conjunto de análises das lutas populares em vários países – como indica o subtítulo. Foi escrito por alguém dentro do “meio libertário ou comunista de esquerda” do marxismo (43), embora ele expresse uma atitude amigável em relação ao anarquismo. No geral, tem uma conclusão, uma rejeição de “uma metodologia repetida vez após vez, por meio da qual diferentes variantes da extrema esquerda se estabeleceram como torcidas e muitas vezes como auxiliares menores para movimentos ‘progressistas’ e governos estritamente comprometidos com a reestruturação (ou criação ) de um Estado-nação adequado ao (…) capitalismo mundial. Esta metodologia envolve imaginar (…) uma ala de ‘esquerda’ saudável de um movimento burguês ou nacionalista ou ‘progressista’ ou ‘anti-imperialista’ do Terceiro Mundo que pode ser ‘empurrado para a esquerda’ por ‘apoio crítico’, abrindo o caminho para a revolução socialista (…) Seu papel é alistar alguns dos elementos mais radicais para apoiar ou tolerar um projeto estranho que mais cedo ou mais tarde os coopta ou, pior ainda, os reprime e às vezes os aniquila” (225).

Goldner acredita que rejeitar essa “metodologia” estatista e capitalista é necessário para rearmar a extrema esquerda se ela quiser superar “as quase quatro décadas de dormência, derrota e dispersão que se seguiram ao refluxo do surto mundial de 1968-77 (…) a longa glaciação pós-1970 …” (1). “No entanto, me separo de uma série de teorias atualmente em voga; ainda vejo o proletariado assalariado – a classe trabalhadora em escala mundial – como a força-chave para uma revolução contra o capital” (2). Ele escreve, “a força-chave”, não a “única força”, uma vez que inclui os camponeses e outros oprimidos como partes necessárias de uma revolução internacional.

Essa concepção geral, de uma tendência (minoritária) do marxismo, é consistente com o anarquismo revolucionário de luta de classes, conforme se desenvolveu a partir de Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin até aos anarcossindicalistas e anarco-comunistas.

No entanto, Goldner mostra as limitações de seu conhecimento do anarquismo por uma série de erros. Por exemplo, ele observa que “a ideologia do pan-eslavismo [foi] também defendida por seu rival anarquista Bakunin (…)” (57). Na verdade, Bakunin tinha sido um pan-eslavista antes de se tornar um anarquista, não depois. Goldner se refere à “fase inicial mutualista (inspirada em Proudhon) do movimento operário peruano e latino-americano (… substituída pelo impacto global da Revolução Russa)” (171-2). Mas, após um período inicial, a maior parte da influência anarquista na classe trabalhadora latino-americana era anarcossindicalista (embora ainda houvesse algum interesse em cooperativas de crédito e cooperativas em geral, ao lado de sindicatos). É por isso que os sandinistas e outros revolucionários centro-americanos (nacionalistas e marxistas) mais tarde adotaram o preto e o vermelho como suas cores. Tradicionalmente, essas foram as cores do movimento operário com influência anarcossindicalista.

LENIN E A REVOLUÇÃO RUSSA

Goldner escreve que as correntes socialistas libertárias revolucionárias – como o anarquismo, o sindicalismo revolucionário, o comunismo de conselho e o IWW – “foram efetivamente esmagadas pelo bolchevismo (…) e a influência internacional, em última análise, desastrosa da Revolução Russa…” (9). Neste livro, sua crítica se concentra no mal-entendido de Lenin sobre os camponeses russos. Lenin superestimou a extensão da produção dos camponeses de mercadorias para venda no mercado. Ele superestimou até que ponto o Capitalismo se enraizou entre os camponeses. Ele superestimou o declínio das instituições comunais dos camponeses (o “mir“). Ele superestimou a estratificação de classes entre os camponeses. Esses mal-entendidos levaram a uma relação autoritária, repressiva e exploradora do Estado soviético sobre campesinato. Esse foi um fator importante na divisão entre os bolcheviques (comunistas) e o Partido Socialista Revolucionário de Esquerda, de base camponesa. Isso, por sua vez, contribuiu para a formação da ditadura de partido único (Ver Sirianni 1982). “A União Soviética emergiu da guerra civil em 1921 com o núcleo de uma nova classe dominante no poder…” (43).

Goldner também analisa as relações do início da União Soviética com a Turquia, então liderada pelo nacionalista Kemal Attaturk. Goldner já havia acreditado, como os trotskistas, que foi apenas sob Stalin que os partidos comunistas internacionais se transformaram em agentes do Estado russo e da revolução mundial subordinada aos interesses nacionais russos. Mas ele descobriu que o governo de Lenin e Trotski havia buscado relações estreitas com os nacionalistas turcos, mesmo enquanto o governo turco estava reprimindo e assassinando comunistas turcos. Ele cita um memorando de Trotski na época, dizendo que a principal questão da política revolucionária no “Leste” era a necessidade de a Rússia fazer um acordo com a Grã-Bretanha.

No entanto, Goldner defende Marx e – mais estranhamente – Lenin das acusações anarquistas de lançar as bases para o stalinismo. “Eu (…) rejeito a visão comum que se encontra entre os anarquistas que não veem nada de problemático a ser explicado no surgimento da Rússia stalinista” (43). Se ele quer dizer que a Revolução Russa precisa ser analisada em detalhes, sem assumir quaisquer inevitabilidades, então eu concordo. E há aspectos libertário-democráticos, proletários e humanistas do pensamento de Marx. Mas os anarquistas rejeitaram corretamente o programa de revolução de Marx em que a classe trabalhadora (ou um partido que fala pela classe trabalhadora) tomaria o poder de um Estado e estabeleceria uma economia centralizada de propriedade estatal. Os anarquistas previram que isso levaria ao Capitalismo de Estado e ao domínio burocrático da classe. Se isso é “problemático”, parece ter sido justificado pela experiência.

Goldner nega “que exista uma linha reta, ou muito de qualquer linha, do panfleto de Lenin ‘O que fazer?’ de 1902 para a Rússia de Stalin” (43). Talvez não; há um aspecto democrático do panfleto, um apelo ao partido da classe trabalhadora para defender todas as causas democráticas, grandes ou pequenas (camponeses, religiões minoritárias, escritores censurados, etc.), não importa o quão indiretamente relacionado aos interesses da classe trabalhadora. Mas Lenin tratou o apoio às questões democráticas como passos instrumentais em direção ao governo de seu partido, ao invés de valores básicos. No geral, ele tinha uma visão autoritária. Isso pode ser demonstrado por muito mais evidências do que apenas O que fazer? (Ver Taber 1988).

ANARQUISTAS E TROTSKISTAS

Discutindo a Revolução Espanhola / Guerra Civil dos anos 30, Goldner é “tudo menos antipático ao movimento anarquista espanhol” (119). Suas opiniões são semelhantes às dos comunistas de conselho (marxistas libertários) Karl Korsch e Paul Mattick. Na época, morando nos EUA, eles apoiavam os anarcossindicalistas no conflito (Pinta, 2017). Goldner escreve: “A classe trabalhadora espanhola e partes do campesinato nas zonas republicanas [antifascista-WP] chegaram à maior aproximação de uma sociedade autogerida, sustentada em diferentes formas ao longo de dois anos e meio, jamais alcançada na história” (118). Ele cita Trotski dizendo praticamente a mesma coisa.

No entanto, “a Espanha foi o teste histórico supremo para o anarquismo, que falhou”, acrescentando, “da mesma forma que a Rússia foi, até agora, o teste supremo de, pelo menos, o leninismo, se não do próprio marxismo” (118). Em vez de organizar os trabalhadores e camponeses em seus sindicatos democráticos, conselhos de fábrica, comunas e unidades de milícia, para substituir os Estados nacionais e regionais em colapso, os principais anarcossindicalistas se juntaram ao governo nacional da Frente Popular e ao governo regional catalão. “Os anarquistas espanhóis fizeram a revolução, além de suas expectativas mais selvagens, e não sabiam o que fazer com ela (…) Tudo na história dos anarquistas foi contra a ‘tomada de poder’, encarada como ‘autoritária’ [e] ‘centralista'(…)” (126-7).

Goldner observa que houve alguns anarquistas que defenderam um programa revolucionário, não de se juntar ao governo burguês ou de “tomar o poder do Estado“, mas de organizar uma federação democrática de trabalhadores, camponeses e organizações de milícias para administrar a economia e a guerra. Em particular, houveram os Amigos de Durruti que “apelaram a uma nova revolução” (141) (para mais informações sobre os Amigos de Durruti, ver Guillamon 1996).

A principal lição que Goldner tira dos anarquistas na Revolução Espanhola é a necessidade dos radicais “pensarem mais concretamente sobre o que fazer nas consequências imediatas de uma tomada revolucionária bem-sucedida (…) [devotar] energia para delinear uma transição concreta do Capitalismo” (149).

Discutindo a revolução boliviana de 1952, Goldner mostra como os trotskistas cometeram o mesmo tipo de erros que os anarquistas cometeram na Espanha. Houve uma situação revolucionária, onde os trotskistas, pela primeira vez, tiveram uma grande influência entre a classe trabalhadora rebelde (e armada). Em vez de defender o poder independente para as organizações de trabalhadores de massa, os trotskistas apoiaram os nacionalistas radicais (burgueses), alegando que eles estavam realmente no caminho para o socialismo (embora, Goldner demonstra, os nacionalistas tivessem influências fascistas em sua formação). “O POR trotskista (…) acabou fornecendo uma cobertura de extrema esquerda para o estabelecimento do novo Estado [burguês]” (214). Eventualmente, os trotskistas não eram mais úteis para os nacionalistas e foram reprimidos (o clássico processo do “limão espremido”). O regime guinou para a direita. Esta foi outra ilustração da “metodologia” de radicais seguindo “movimentos ‘progressistas’ e governos estritamente comprometidos com (…) Estado-nação adequado ao (…) Capitalismo”, como citei no primeiro parágrafo.

ANTI-IMPERIALISMO? ANTICAPITALISMO? LIBERTAÇÃO NACIONAL?

Acho que as opiniões de Goldner sobre “anti-imperialismo” e libertação nacional não são claras. Ele está correto ao rejeitar o programa de esquerda que substitui as lutas de classes pelas lutas nacionais, que ignoram os conflitos de classe (e outros) dentro das nações oprimidas e que espalham ilusões sobre a natureza “socialista” dos governantes nacionalistas e stalinistas. Mas não está claro se ele considera a opressão nacional um problema real para milhões de trabalhadores e camponeses. Se reconhecermos isso como uma preocupação real, então os socialistas libertários podem ser solidários com os povos das nações oprimidas, ao mesmo tempo em que se opõem a seus pretensos governantes nacionalistas. Torna-se possível defender a libertação nacional por meio da revolução social e propor um caminho de luta de classes para a liberdade nacional.

Isso parece ser consistente com o acordo de Goldner com O que fazer? de Lenin e a estratégia de apoio da classe trabalhadora revolucionária para as lutas democráticas, bem como a concordância expressa de Goldner com a teoria da “revolução permanente” de Trotski. Ele responsabiliza especificamente o governo da Frente Popular na Guerra Civil Espanhola pelo “fracasso da República em oferecer independência ou mesmo autonomia ao Marrocos espanhol (…) que poderia ter o potencial de minar a retaguarda de Franco, sua base de operações e, entre os legionários marroquinos, uma importante fonte de suas melhores tropas“(129). Ou seja, a coalizão liberal-socialista-stalinista-anarquista falhou em adotar políticas anti-imperialistas (devido ao imperialismo espanhol e sua tentativa de aliança com os imperialismos francês e britânico).

Este é um livro fascinante, com análises detalhadas de momentos decisivos revolucionários na história mundial. A discussão de Loren Goldner sobre esses eventos e as questões que surgem deles é importante e útil para os revolucionários antiautoritários considerarem.

 

10 de Julho de 2018

REFERÊNCIAS

Guillamon, Agustin (1996). The Friends of Durruti Group: 1937—1939. (Trans.: Paul Sharkey). San Francisco: AK Press.

Goldner, Loren (2017). Revolution, Defeat, and Theoretical Underdevelopment: Russia, Turkey, Spain, Bolivia. Chicago: Haymarket Books.

Pinta, Saku (2017). “Council Communist Perspectives on the Spanish Civil War and Revolution, 1936—1939.” In Libertarian Socialism; Politics in Black and Red. (Ed.: Alex Pritchard, Ruth Kinna, Saku Pinta, & David Berry.) Oakland CA: PM Press. Pp. 116—142.

Sirianni, Carmen (1982). Workers Control and Socialist Democracy: The Soviet Experience. London: Verso.

Taber, Ron (1988). A Look at Leninism. NY: Aspect Foundation.


Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/wayne-price-some-lessons-from-revolutionary-history
Traduzido por: Arthur Castro