Wayne Price. “Por que os Anarquistas Perderam a Revolução Espanhola”

POR QUE OS ANARQUISTAS PERDERAM A REVOLUÇÃO ESPANHOLA?

Resposta à “A Revolucionária Tradição Anarquista”

Wayne Price

 

O artigo de Chris Day, “A Revolucionária Tradição Anarquista” (Love and Rage Vol. 7 No. 4) aponta para a corrente pró-organizacional na história do anarquismo revolucionário. Ele observa que houveram anarquistas que defenderam uma maior coerência organizacional e um pensamento teórico e estratégico sério por parte do movimento anarquista. Em geral, concordo com ele (embora ele rejeite um pouco Malatesta, o grande anarquista revolucionário pró-organizacional; muito pode ser aprendido com Malatesta). Esta é uma posição muito melhor do que, por exemplo, uma reivindicação pelo abandono do anarquismo em favor de uma nova síntese dominada pelo marxismo. Porém, ao se pressionar por mais estrutura organizacional e teoria, é possível sair dos trilhos e acabar defendendo um programa autoritário e ditatorial. O perigo disso aparece na discussão de Chris sobre o fracasso dos anarquistas na Revolução Espanhola / Guerra Civil de 1936-39.

 

A REVOLUÇÃO ESPANHOLA

Como Chris observa, em 1936, as forças armadas espanholas e fascistas, lideradas por Franco, tentaram tomar o poder em um golpe bem planejado. Eles tentaram derrubar o governo da Frente Popular, uma coalizão de liberais burgueses e socialistas reformistas. Quase sem ajuda da Frente Popular, a classe trabalhadora se organizou e repeliu os militares em dois terços da Espanha. Nessa época, os anarquistas (organizados na FAI) lideravam uma federação sindical (CNT) com metade da classe trabalhadora da Espanha e a maior parte da Catalunha – a região mais industrializada da Espanha – e tinham muito apoio entre os camponeses. Sob inspiração anarquista, trabalhadores assumiram fábricas e outras empresas e as administraram democraticamente. Os camponeses coletivizaram voluntariamente suas fazendas. O transporte e as comunicações eram administrados por comitês de trabalhadores. A polícia foi substituída por patrulhas de trabalhadores. Muitas das forças armadas eram lideradas por anarquistas.

Apesar disso, os anarquistas eventualmente perderam a luta contra o fascismo. Eles abandonaram todos os seus princípios, ingressando no governo capitalista (incluindo o Ministério da Justiça). Como isso aconteceu?

Como disse Chris, um ponto de inflexão ocorreu no início da Guerra Civil. Depois de derrotar inicialmente os fascistas na Catalunha, dois líderes anarquistas se encontraram com o (impotente) presidente do governo regional. Ele se ofereceu para renunciar, mas pediu colaboração. Garcia Oliver, um dos anarquistas, explicou porque escolheram a cooperação com o Estado capitalista. “A CNT e a FAI decidiram pela colaboração e pela democracia, renunciando ao totalitarismo revolucionário que teria levado ao estrangulamento da revolução pela ditadura anarquista e confederalista (CNT) … (escolhendo) entre o Comunismo Libertário, que significava uma ditadura anarquista, e democracia, que significava colaboração”.

Chris indica que os anarquistas deveriam ter escolhido a primeira alternativa, embora “o apoio à CNT não fosse universal”. Mas os anarquistas estavam certos neste ponto: a tomada do poder pela FAI-CNT teria criado “totalitarismo revolucionário (e) ditadura anarquista“.

Havia, no entanto, uma terceira alternativa. Eles poderiam ter convocado a federação dos comitês populares e conselhos (juntas): os conselhos de fábrica, aldeias camponesas coletivizadas, comitês de soldados, patrulhas de trabalhadores, etc. Federados juntos, estes poderiam ter se tornado um poder alternativo ao governo catalão – e, se espalhando nacionalmente, para todo o Estado espanhol – uma situação de duplo poder. Essa estrutura federal poderia ter derrubado o Estado e continuado uma guerra revolucionária contra Franco sem criar uma ditadura do Partido-Estado.

Isso teria sido mais democrático do que o Estado liberal. Diferentes tendências políticas teriam sido representadas de acordo com o quão populares realmente eram entre os oprimidos. Os partidos capitalistas teriam representação apenas de acordo com seu apoio entre os oprimidos. As coalizões (entre anarquistas e socialistas reformistas) teriam sido baseadas no equilíbrio real de forças. À medida que os trabalhadores se radicalizassem, seus representantes regionais e nacionais se tornariam mais revolucionários.

O programa de uma federação de conselhos foi levantado durante a Revolução Espanhola por Leon Trotsky e seus poucos seguidores espanhóis. É verdade que a defesa de conselhos de Trotsky foi puramente instrumental – como uma arma para derrubar o Estado existente, não como uma estrutura para uma nova sociedade. Sabemos pela Revolução Russa que ele estava disposto a banir os partidos socialistas não bolcheviques dos sovietes (conselhos) e a transformar os sovietes em meros instrumentos do partido bolchevique. Mas isso não isenta os anarquistas de falharem em levantar o programa de uma federação de conselhos como um poder alternativo.

 

AMIGOS DE DURRUTI

Chris repete o erro ao falar sobre os Amigos de Durruti. Este foi um reagrupamento de anarquistas verdadeiramente revolucionários em oposição à liderança da FAI-CNT. Chris resume sua posição: “Os Amigos de Durruti também propuseram a criação de uma Junta Revolucionária composta por eles e outros grupos que se opunham à participação no governo republicano”. Ou seja, ele afirma que eles defendiam o domínio de sua organização. De modo nenhum.

Na verdade, eles propuseram um conselho nacional eleito pelos trabalhadores de seus sindicatos de massas. Seu programa, “Rumo a uma Nova Revolução” afirma: “Estabelecimento de uma Junta Revolucionária ou Conselho de Defesa Nacional (…) Os membros da Junta Revolucionária serão eleitos por voto democrático nas organizações sindicais”. Isso é semelhante ao programa para conselhos de trabalhadores e camponeses (embora não tão bom, já que exigia trabalhar através das estruturas sindicais existentes). Claro, eles queriam que eles próprios e outros com ideias semelhantes fossem eleitos para o conselho nacional, mas o que propunham era uma estrutura democrática popular, não um Partido-Estado. Infelizmente, era tarde demais para salvar a Revolução Espanhola.

 

LIÇÃO PARA ANARQUISTAS

Vez após vez, as revoluções criaram conselhos populares e estruturas semelhantes, apenas para serem destruídas pelos “líderes” revolucionários. Os radicais de hoje estão divididos entre os socialistas reformistas (que acreditam que a “democracia” exige que apoiem os Estados burocrático-militares existentes e o imperialismo ocidental) e os “revolucionários” (principalmente maoístas, castristas ou nacionalistas), que desejam genuinamente derrubar os Estados existentes – a fim de substituí-los por Estados-Partido totalitários. Eles veem seus respectivos partidos se tornando novos Estados. O anarquismo (ou socialismo antiautoritário), com todos os seus muitos defeitos, é único ao colocar a auto-organização dos oprimidos no centro de seu programa – o centro tanto de seu objetivo final quanto dos meios para alcançá-lo.

No curso de uma revolução, uma certa quantidade de centralização e de repressão (aos contrarrevolucionários assumidos) será necessária, o ponto principal do artigo de Chris. Mas os anti-autoritários deveriam usar conscientemente tanta centralização e repressão quanto necessário e deveriam trabalhar deliberadamente para manter a organização comunal tão descentralizada e radicalmente democrática quanto possível. Exatamente como manter esse equilíbrio é uma questão de julgamento político, mas não devemos ter ambiguidades em nossa oposição aos Partidos-Estados.

1996

Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/wayne-price-why-the-anarchists-lost-the-spanish-revolution
Traduzido por: Arthur Castro