Murray Bookchin. “Comunalismo: A Dimensão Democrática do Anarquismo”

COMUNALISMO: A DIMENSÃO DEMOCRÁTICA DO ANARQUISMO

Murray Bookchim

I

Poucas vezes, palavras socialmente importantes foram mais confundidas e despojadas de seu significado histórico do que atualmente. Dois séculos atrás, as pessoas normalmente se esquecem, a “democracia” era desaprovada tanto por monarquistas quanto por republicanos, que consideravam-na igualmente o “domínio da ralé”. Hoje, a democracia é aclamada como “democracia representativa”, uma reversão que se refere a pouco mais do que uma oligarquia republicana dos poucos escolhidos que falam ostensivamente pela maioria sem poder.

“Comunismo”, por sua vez, referia-se a uma sociedade cooperativa que basear-se-ia moralmente no respeito mútuo e numa economia na qual cada um contribuiria para o fundo de trabalho social de acordo com sua habilidade e receberia os meios de vida de acordo com suas necessidades. Hoje, o “comunismo” está associado ao Gulag stalinista e é totalmente rejeitado como totalitário. Seu primo, o “socialismo” – que antes significava uma sociedade politicamente livre, baseada em várias formas de coletivismo e retribuições materiais igualitárias pelo trabalho – é atualmente intercambiável com um liberalismo burguês mais ou menos humanista.

Durante os anos 80 e 90, na medida em que todo espectro social e político mudava-se ideologicamente para a direita, o próprio “anarquismo” não ficou imune à redefinição. Na esfera anglo-americana, o anarquismo está sendo despojado de seu ideal social por uma ênfase na autonomia pessoal, uma ênfase que está sugando sua vitalidade histórica. Um individualismo stirneriano – marcado pela defesa de mudanças no estilo de vida, o cultivo de particularidades comportamentais e até a adoção do misticismo declarado – está se tornando cada vez mais proeminente. Esse “anarquismo de estilo de vida” está continuamente erodindo o núcleo de orientação social dos conceitos anarquistas de liberdade.

Deixem-me sublinhar que na tradição social britânica e americana, a autonomia e a liberdade não são termos equivalentes [1] . Na medida em que insiste na necessidade de eliminar a dominação pessoal, a autonomia concentra-se no indivíduo como o componente formativo e ponto de convergência da sociedade. Em contraste, a liberdade, apesar de seus usos não rigorosos, denota a ausência de dominação na sociedade, da qual o indivíduo é parte. Esse contraste torna-se muito importante quando anarquistas individualistas fazem equivaler o coletivismo como tal com a tirania da comunidade sobre seus membros.

Hoje, se uma teórica anarquista como L. Susan Brown pode afirmar que “um grupo é uma coleção de indivíduos, nem mais, nem menos”, enraizando o anarquismo no indivíduo abstrato, temos motivos para nos preocupar. Não que essa visão seja inteiramente nova ao anarquismo; vários historiadores anarquistas descreveram-na como implícita no panorama libertário. Deste modo, o indivíduo aparece ab novo dotado de direitos naturais e privado de raízes na sociedade ou no desenvolvimento histórico [2].

Mas de que deriva esse indivíduo “autónomo”? Qual é a base de seus “direitos naturais”, além das premissas a priori e das intuições obscuras? Que papel desempenha o desenvolvimento histórico em sua formação? Que premissas sociais o fazem nascer, o sustentam e, de fato, o alimentam? Como pode uma “coleção de indivíduos” se institucionalizar ao ponto de promover algo mais que uma autonomia que consiste apenas em recusar prejudicar as “liberdades” [“liberties“] dos outros – ou “liberdade negativa” [“negative liberty“], como Isaiah Berlin a chamou em oposição à “liberdade positiva” [“positive liberty“], que é a liberdade substantiva [substantive freedom][3], em nosso caso, construída de acordo com orientações sociais?

Na história das ideias, a “autonomia”, no sentido de um “auto-domínio” estritamente pessoal, encontra seu apogeu antigo no culto da libertas na Roma imperial. Durante o domínio dos césares Julio-Claudios, o cidadão romano desfrutava de grande autonomia em ceder a seus próprios desejos – e luxúrias -, sem reprovação de qualquer autoridade, desde que não interferisse nos assuntos e nas necessidades do Estado. Na tradição liberal mais teoricamente desenvolvida de John Locke e John Stuart Mill, a autonomia adquiriu um sentido mais amplo e se opunha ideologicamente à autoridade excessiva do Estado. Durante o século XIX, se havia um único assunto que chamava o interesse dos liberais clássicos era a economia política, que era normalmente concebida não apenas como o estudo dos bens e serviços, mas também como um sistema moral. Na verdade, o pensamento liberal geralmente reduzia o social ao económico. A autoridade excessiva do Estado era combatida em nome de uma suposta autonomia económica. Ironicamente, os liberais frequentemente invocavam a palavra liberdade [freedom], no sentido de “autonomia”, como continuam a fazer até hoje [4].

No entanto, apesar de suas afirmações da autonomia e da desconfiança sobre autoridade do Estado, esses pensadores clássicos liberais não se apegavam, em última instância, à noção de que o indivíduo é completamente livre da direção das leis. De fato, sua interpretação da autonomia pressupunha na verdade planos bem definidos além do indivíduo – principalmente as leis do mercado. Autonomia individual ao contrário, essas leis constituem um sistema de organização social no qual todas as “coleções de indivíduos” são postas sob a influência da famosa “mão visível” da competição. Paradoxalmente, as leis do mercado atropelam o exercício da “livre escolha” pelos mesmos indivíduos soberanos que, de outra forma, constituem a “coleção de indivíduos”.

Nenhuma sociedade racionalmente constituída pode existir sem instituições e se uma sociedade como uma “coleção de indivíduos, nada mais, nada menos” devesse desaparecer, ela simplesmente dissolver-se-ia. Tal dissolução, na verdade, nunca aconteceria realmente. Os liberais, apesar disso, podem se apegar à noção de “livre-mercado” e “livre-competição” dirigidos pelas “leis inexoráveis” da economia política.

Alternativamente, a liberdade [freedom], uma palavra que tem a mesma raiz etimológica que a alemã Freiheit (para a qual não há equivalente nas línguas românicas), tem seu ponto de partida não no indivíduo, mas na comunidade ou, mais amplamente, na sociedade. No século XIX e no começo do século XX, na medida em que os grandes teóricos socialistas sofisticavam cada vez mais as ideias de liberdade, o indivíduo e seu desenvolvimento eram conscientemente entrelaçados com a evolução social – especificamente, as instituições que distinguem a sociedade das agregações meramente animais.

O que tornava seu enfoque particularmente ético era o fato de que enquanto revolucionários eles se faziam a questão- chave – o que constitui uma sociedade racional? – uma questão que abole a centralidade da economia numa sociedade livre. Enquanto o pensamento liberal normalmente reduzia o social ao económico, vários socialismos (com exceção do marxismo) entre os quais o anarquismo, que Kropotkin considerava a ala “esquerda”, dissolviam o económico no social [5].

Nos séculos XVIII e XIX, enquanto o pensamento iluminista e seus derivados traziam a ideia da mutabilidade das instituições para o primeiro plano do pensamento social, o indivíduo também passou a ser visto como mutável. Para os pensadores de orientação social do período, uma “coleção” era uma forma totalmente estranha de designar a sociedade; eles corretamente consideravam a liberdade individual congruente com a liberdade social e, muito significativamente, definiam a liberdade como um conceito evolutivo e unificador.

Em resumo, tanto a sociedade, quanto o indivíduo eram historicizados no melhor sentido do termo: como um processo criativo, autogerador e de desenvolvimento contínuo, no qual cada um existia no e pelo outro. Esperava-se que essa historicização seria acompanhada de uma expansão crescente de novos direitos e deveres. O slogan da Primeira Internacional, na verdade, era a exigência de “nenhum direito sem deveres, nenhum dever sem direitos” – uma exigência que apareceu depois nas manchetes dos jornais anarquistas na Espanha e em outros lugares, bem no século XX.

Assim, para os pensadores socialistas clássicos, conceber o indivíduo sem sociedade era tão sem sentido quanto conceber a sociedade sem indivíduos. Eles buscavam realizar os dois em estruturas institucionais racionais que promovessem o máximo grau de livre expressão em cada aspecto da vida social.

 

II

O individualismo, da forma como é concebido pelo liberalismo clássico, se apoiava, para começar, numa ficção. Seu próprio pressuposto de uma “legalidade” social mantida pela competição de mercado estava bastante distante de seu mito de um indivíduo “autónomo” totalmente soberano. Com pressupostos ainda menores nos quais se apoiar, a obra aflitivamente subteorizada de Max Stirner [6] partilhava de uma disjunção semelhante: a disjunção ideológica entre o ego e a sociedade.

A questão central que revela essa disjunção – aliás, essa contradição – é a questão da democracia. Por democracia, evidentemente, eu não quero dizer qualquer forma de “governo representativo”, mas democracia face a face. No que diz respeito a suas origens na Atenas clássica, democracia, como eu a utilizo, é ideia da gestão direta da polis pelos seus cidadãos em assembleias populares – o que não deve ocultar que a democracia ateniense era marcada pelo patriarcado, escravidão, pelo domínio de classe e pela restrição da cidadania aos homens de origem ateniense reconhecida. Eu estou me referindo a uma tradição evolutiva de estruturas institucionais, não a um “modelo” social [7]. A democracia, genericamente definida, é então a gestão direta da sociedade em assembleias face a face na qual a política é formulada pelos cidadãos residentes e a administração é executada por conselhos delegados e mandatários.

Os libertários normalmente consideram a democracia, mesmo nesse sentido, como uma forma de “dominação” – uma vez que ao se decidir, a posição da maioria prevalece e portanto “domina” a da minoria. Assim, diz-se e a democracia é inconsistente com um ideal verdadeiramente libertário. Mesmo um historiador tão conhecedor do anarquismo como Peter Marshall [8] observa que, para os anarquistas, “a maioria tem tanto o direito de se impor à minoria, mesmo à minoria de um, quanto a minoria tem o direito de se impor à maioria” [9]. Inúmeros libertários ecoaram essa ideia, várias e várias vezes.

O que surpreende em afirmações como a de Marshall é sua linguagem altamente pejorativa. As minorias, pareceria, nem “decidem”, nem “debatem”: são antes “dominadas”, as coisas lhe são “impostas”, são “comandadas”, “coagidas” e coisas do gênero. Numa sociedade livre que não apenas permitisse, mas promovesse o mais amplo grau de dissidência, cujos palcos nas assembleias e cujos meios de comunicação estivessem abertos à expressão mais plena de todas as posições, cujas instituições fossem verdadeiros fóruns de discussão – pode-se fazer a pergunta razoável de se uma tal sociedade “imporia” de fato algo a alguém quando tivesse que chegar a uma decisão que dissesse respeito ao bem-estar público.

Como então a sociedade faria decisões coletivas dinâmicas sobre temas públicos, à parte de meros contratos individuais? A única alternativa coletiva que é normalmente apresentada ao voto de maioria como meio de decisão é a prática do consenso. Na verdade, o consenso tem sempre sido mistificado por “anarco- primitivistas” declarados que consideram que a Idade do Gelo [10] e os povos “primitivos” contemporâneos são o apogeu da realização social e psíquica humana. Eu não nego que o consenso possa ser um a forma apropriada de deliberação em pequenos grupos de pessoas que estão completamente familiarizadas umas com as outras. Mas, par a examinar o consenso em termos práticos minha própria experiência me tem mostrado que quando grupos maiores tentam decidir por consenso, isso normalmente os obriga a chegar ao menor denominador intelectual comum em sua decisão: a decisão menos controversa ou mesmo a mais medíocre que uma assembleia relativamente grande consegue obter é adotada – precisamente porque todo mundo deve concordar com ela, ou então se abster de votar naquele tema. Mas o que é mais preocupante é eu ter descoberto que ela permite um autoritarismo traiçoeiro e manipulações gritantes – mesmo quando usada em nome da autonomia ou liberdade.

Par a tomar um caso muito surpreendente: o maior movimento baseado em consenso (envolvendo milhares de participantes) em tempos recentes nos Estados Unidos foi a Aliança Clamshell [11] que foi formada para se opor ao reator nuclear de Seabrook em meados dos anos 70 em New Hampshire. Em seu estudo recente sobre o movimento, Barbara Epstein chamou a Clamshell da “primeira tentativa na história americana de basear um movimento de massas na ação direta não-violenta”, além do movimento pelos direitos civis nos anos 60. Como resultado desse aparente sucesso organizacional, muitas outras alianças regionais contra reatores nucleares foram formadas nos Estados Unidos.

Eu posso comprovar pessoalmente o fato de que na Aliança Clamshell, o consenso era fomentado por quacres [12] muitas vezes céticos e por membros de uma comuna duvidosamente “anárquica” localizada em Montague, no estado de Massachusetts. Essa facção pequena, fortemente unida, unificada por seu próprio programa secreto, foi capaz de manipular muitos membros da Clamshell, subordinando sua boa vontade e compromissos idealistas a esses programas oportunistas. Os líderes de fato da Clamshell atropelaram os direitos e ideais de inúmeros indivíduos que entraram na aliança e minaram sua moral e sua vontade.

Par a que aquela panelinha criasse consenso absoluto numa decisão, a dissidência minoritária era sutilmente persuadida ou psicologicamente coagida a declinar o voto num tema conturbado, porque, afinal, sua dissidência iria basicamente resultar no veto de uma pessoa. Essa prática, chamada de “pôr-se de lado” nos processos de consenso nos Estados Unidos, muito frequentemente envolvia intimidação da dissidência, ao ponto dela se retirar completamente do processo de decisão, ao invés de fazer uma expressão honrada e contínua de seu desacordo pelo voto, mesmo como uma minoria, de acordo com suas posições. Tendo se retirado, os dissidentes deixavam de ser seres políticos – para que a “decisão” pudesse ser tomada. Mais de uma “decisão” na Aliança Clamshell foi tomada pressionando a dissidência a se calar e, por meio de uma cadeia dessas intimidações, o “consenso” era finalmente atingido apenas depois que os membros dissidentes se anulavam com o participantes no processo.

Num nível mais teórico, o consenso silenciava o aspecto mais vital do diálogo, o dissenso. A dissidência duradoura, o diálogo apaixonado que persiste mesmo após a minoria ceder temporariamente à decisão da maioria, foi substituído na Clamshell por monólogos burros – e o tom abafado e indisputado do consenso. Na decisão por maioria, a minoria derrotada pode decidir inverter a decisão que perdeu – ela é livre para articular aberta e persistentemente desacordos razoáveis e potencialmente persuasivos. O consenso, por outro lado, não respeita minorias, ele as cala em nome da “unidade” metafísica do grupo “consensual”.

O papel criativo da dissidência, valioso com o fenómeno democrático persistente, tende a desaparecer na uniformidade cinza exigida pelo consenso. Qualquer corpo libertário de ideias que buscasse dissolver a hierarquia, as classes, a dominação e a exploração permitindo inclusive à “minoria de um” impedir a decisão da maioria de uma comunidade, até de confederações regionais e nacionais, qualquer corpo de ideias assim, transformar-se-ia essencialmente numa “vontade geral” rosseauniana com um mundo sombrio de conformidade intelectual e psíquica. Em tempos mais agitados, poderia facilmente “forçar o povo a ser livre”, como disse Rousseau – e como praticaram os jacobinos [13] em 1793-94.

Os líderes de fato da Clamshell conseguiram escapar com seu comportamento, precisamente porque a Clamshell não era suficientemente organizada e estruturada democraticamente para que pudesse neutralizar a manipulação de uma minoria bem-organizada. Os líderes de fato estavam sujeitos a poucas estruturas de controle de ações. A facilidade com que eles astuciosamente utilizaram a decisão por consenso para seus próprios fins foi apenas parcialmente contada [14], mas as práticas consensuais terminaram por afundar essa ampla e interessante organização com sua “república da virtude” rousseauniana. Ela foi também arruinada, devo acrescentar, por um desleixo organizacional que permitia que meros transeuntes participassem das decisões, desestruturando assim a organização ao ponto de se tornar invertebrada. Foi por bons motivos que eu e muitos jovens anarquistas de Vermont, que participamos ativamente na Aliança por alguns anos, passamos a considerar o consenso um sacrilégio.

Se o consenso pudesse ser atingido sem pressão aos dissidentes, um processo que é factível em grupos pequenos, quem poderia opor-se a ele com o processo de deliberação?

Mas reduzir o ideal libertário ao direito incondicional de uma minoria – até mesmo uma “minoria de um” – abortar a decisão de uma “coleção de indivíduos ” é sufocar a dialética de ideias que floresce em oposição, em confronto – decisões com as quais todos não precisam concordar e não devem concordar, ao risco da sociedade se transformar num cemitério ideológico. O que não deve negar à dissidência todas as oportunidades de reverter a decisão da maioria pela discussão e defesa de suas posições sem prejuízo para ela.

 

III

 

Eu me detive um pouco extensamente na crítica ao consenso, porque ele constitui a alternativa individualista mais comum à democracia, normalmente contraposta como “ausência de domínio” – ou uma forma de autonomia pessoal sem amarras – ao “domínio” da maioria. Enquanto as ideias libertárias nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha caminham cada vez mais para afirmações da autonomia pessoal, o abismo entre o individualismo e o coletivismo antiestatal está se tornando, ao meu ver, intransponível. Um anarquismo centrado na pessoa tem-se enraizado profundamente na juventude hoje. Além disso, ela usa cada vez mais a palavra “anarquia” para expressar não apenas uma posição pessoal, mas também um conjunto de posições anti-racionais, rústicas, antitecnológicas e anticivilizacionais que torna impossível para anarquistas que apoiam suas ideias no socialismo aplicarem a palavra “anarquista” a eles mesmos sem um adjetivo qualificativo. Howar Ehrlich, um de nossos companheiros americanos mais hábeis e preocupados, utiliza a expressão “anarquismo social” como título de sua revista, ao que parece, para distinguir suas posições das de um anarquismo que se apoia ideologicamente no liberalismo ou talvez em coisa pior.

Eu gostaria de sugerir que muito mais do que um adjetivo qualificativo é necessário se queremos elaborar nossa noção de liberdade mais amplamente. Seria mesmo triste se os libertários hoje tivessem literalmente que explicar que eles acreditam numa sociedade, não apenas numa coleção de indivíduos! Um século atrás, essa crença era pressuposta; hoje, tanta coisa se arrancou das entranhas coletivistas do anarquismo clássico que ele está à beira de se tornar um estágio de vida para adolescentes e uma moda para seus preceptores de meia-idade, um caminho para a “auto-realização” e um equivalente aparentemente “radical” da terapia.

Deve haver hoje algum lugar no espectro político onde um corpo de pensamento antiautoritário que faça avançar a luta amarga da humanidade para conseguir a realização de sua autêntica vida social – a famosa “Comuna das comunas” – possa ser claramente articulado institucionalmente e ideologicamente. Deve haver um meio pelo qual antiautoritários com preocupações sociais possam desenvolver um programa e uma prática para tentar mudar o mundo e não apenas as psiques. Deve haver uma arena de luta que possa mobilizar as pessoas, ajudá-las a se educarem e desenvolver uma política antiautoritária, para usar essa palavra no seu sentido clássico, que de fato oponha uma nova esfera pública ao Estado e ao capitalismo.

Em poucas palavras, devemos recuperar não apenas a dimensão socialista do anarquismo, mas sua dimensão política: a democracia. Privado de sua dimensão democrática e de sua esfera pública comunal ou municipal, o anarquismo pode mesmo significar pouco mais que uma “coleção de indivíduos, nem mais, nem menos”. Mesmo anarco-comunismo, de longe a modificação adjetiva mais preferível do ideal libertário, ainda retém um caráter vago estrutural que não nos diz nada sobre as instituições necessárias para apressar uma distribuição comunista dos bens. Ela define um objetivo amplo, uma aspiração – infelizmente, terrivelmente manchada pela associação do “comunismo” com o bolchevismo e o Estado – mas sua esfera pública e suas formas de associação institucional permanecem obscuras no melhor dos casos e suscetíveis de um ónus totalitário no pior.

Eu gostaria de propor que a dimensão democrática e potencialmente praticável dos objetivos libertários seja expressa como comunalismo, um termo que, a o contrário dos termos políticos que antes significavam inequivocamente uma mudança social radical, não foi historicamente maculado pelo abuso. Mesmo definições comuns de dicionário de comunalismo, vocês podem ver, capturam em grande medida a visão de uma “comuna das comunas” que está sendo perdida pelas correntes atuais anglo-americanas que celebram a anarquia de diversas formas: como “caos”, como “unidade” mística com a natureza, como auto-realização ou como “êxtase”, mas, acima de tudo, de forma pessoal [15].

O comunalismo é definido como “uma teoria ou sistema de governo [sic!] no qual comunidades locais virtualmente autónomas [sic] estão vagamente numa federação” [16]. Nenhum dicionário da língua inglesa é muito sofisticado politicamente. Esse uso dos termos “governo” e “autónomo” não nos compromete com a aceitação do Estado e do provincianismo, menos ainda do individualismo. Além do mais, federação é normalmente sinónimo de confederação, o termo que me parece mais compatível com a tradição libertária. O que é mais notável quanto a esse termo (ainda) não maculado é sua proximidade extraordinária com o municipalismo libertário, a dimensão política da ecologia social que eu tenho defendido extensivamente em outros lugares.

Com o comunalismo, os libertários têm uma palavra disponível que eles podem enriquecer pela experiência e pela teoria. De forma mais significativa, a palavra pode expressar não apenas aquilo contra o que nós somos, como aquilo a favor do que nós somos, a saber, a dimensão democrática do pensamento libertário e uma forma libertária de sociedade. Trata-se de uma palavra na medida de uma prática que pode derrubar os muros que estão cada vez mais aprisionando o anarquismo no exotismo cultural e na introversão psicológica. Ela está em oposição explícita ao individualismo sufocante que fica lado a lado com o autocentrismo burguês e um relativismo moral que torna qualquer ação social irrelevante e, na verdade, institucionalmente sem sentido.

É importante enfatizar que o municipalismo libertário – ou o comunalismo, como eu o tenho chamado aqui – é um horizonte em desenvolvimento, uma política que busca no final realizar a “comuna das comunas”. Dessa forma, ele tenta proporcionar uma alternativa confederal diretamente democrática ao Estado e à sociedade burocrática centralizada. Contestar a validade do municipalismo libertário, como o fizeram muitos liberais e eco-socialistas, a partir da premissa que o tamanho das entidades urbanas atuais levanta obstáculos logísticos insuperáveis ao sucesso de sua prática é transformá-la numa “estratégia” de xadrez, congelá-la nas condições dadas da sociedade e depois registrar débitos e créditos para determinar sua capacidade de “sucesso”, “eficácia”, “altos níveis de participação” etc. O municipalismo libertário não é uma forma de contabilidade social para as condições que existem, mas um processo transformativo que começa com o que pode ser mudado nas condições atuais. O que pode ser mudado é tomado então como um ponto de partida válido para se conseguir aquilo que deve ser numa sociedade racional.

O municipalismo libertário é acima de tudo uma política, para usar a palavra em seu sentido original helénico, que está engajada no processo de transformar os agora chamados “eleitores” e “contribuintes” em cidadãos ativos e transformar os agora conglomerados urbanos em comunidades genuínas ligadas umas às outras por confederações que contrabalançariam e no final contestariam a existência do Estado. Vê-lo de outra forma é reduzir esse desenvolvimento multifacetado e em processo a uma caricatura. Tampouco pretende-se que o municipalismo libertário seja um substituto para a associação enquanto tal – para os aspectos familiares e económicos da vida – sem os quais a existência humana é impossível em qualquer sociedade [17]. Ele é antes uma perspectiva e uma prática em desenvolvimento para a recuperação e ampliação numa escala sem precedentes do que é agora uma esfera pública em declínio, esfera que o Estado invadiu e, em muitos casos, virtualmente eliminou [18]. Se a grande dimensão das entidades municipais e o declínio da esfera pública são aceitos como dados inalteráveis, então não nos sobra esperança, resta-nos apenas trabalhar com o dado em cada esfera da atividade humana – nesse caso, os anarquistas poderiam muito bem se aliar aos social-democratas (como fizeram alguns, por todas as razões práticas) para trabalhar conjuntamente e meramente modificar o aparato estatal, o mercado e o sistema de relações de mercadorias. Na verdade, com base nesse raciocínio de senso comum, poder-se-ia defender uma posição mais forte do que apenas decentralizar os aglomerados urbanos: preservar o Estado, o mercado, o uso do dinheiro e as empresas globais. De fato, muitos aglomerados urbanos já estão sofrendo física e logisticamente do fardo de suas dimensões e estão se reconstituindo em cidades-satélites sob nossos próprios olhos, ainda que suas populações e suas jurisdições físicas permaneçam agrupadas sob o nome de uma única metrópole.

Estranhamente, muitos anarquistas de estilo de vida que, como visionários da nova era, têm a habilidade notável de imaginar a mudança de tudo, tendem a levantar fortes objeções sempre que se lhes pede para mudar de verdade qualquer coisa na sociedade atual – a não ser cultivar uma maior “auto-expressáo”, ter mais delírios místicos e transformar seu anarquismo em uma forma de arte, recuando para um mutismo social. Quando críticos do municipalismo libertário apontam o número proibitivo de pessoas que poderiam frequentar ou ser participantes ativos em assembleias municipais e perguntam quão “práticas” essas assembleias seriam em cidades grandes como Nova Iorque, cidade do México ou Tóquio, eu posso lembrar que a abordagem comunalista levanta a questão de se podemos de fato modificar de alguma forma a sociedade atual e realizar a “comuna das comunas”.

Se uma abordagem comunalista como essa parece terrivelmente grandiosa, eu posso apenas suspeitar que para anarquistas de estilo de vida a batalha já está perdida. De minha parte, se a anarquia vier a significar pouco mais do que uma estética do “autocultivo”, um tumulto excitante, graffiti com spray ou atos heróicos e pessoais alimentados por um “imaginário” auto-indulgente, então eu terei pouco a ver com ela. O cultivo teatral da pessoa entrou completamente na moda quando a contracultura dos anos 60 se transformou na cultura da nova era dos anos 70 – e se tornou um modelo para os estilistas de moda burgueses e para as butiques.

 

IV

O anarquismo está em recuo hoje. Se falharmos em elaborar a dimensão democrática do anarquismo, perderemos a oportunidade não apenas de constituir um movimento vital como de preparar as pessoas para uma praxis social revolucionária no futuro. Infelizmente, estamos testemunhando o assustador dessecamento de uma grande tradição, de forma que neo-situacionistas, niilistas, primitivistas, anti-racionalistas, anticivilizacionistas, e “caóticos” assumidos estão se encarcerando em seus egos, reduzindo tudo o que se parece à atividade política pública a uma excentricidade juvenil.

Nada disso deve negar a importância da cultura libertária, uma cultura que é estética, brincalhona e altamente imaginativa. Os anarquistas do último século e de parte do século atual se orgulhavam, e com razão, do fato de que muitos artistas inovadores, principalmente pintores e romancistas, se alinhavam com posições anárquicas da realidade e da moralidade. Mas um comportamento que se inclina à mistificação da criminalidade, da associalidade, da incoerência intelectual, do antiintelectualismo e da desordem pela desordem é simplesmente lumpen. Ele se alimenta dos detritos do próprio capitalismo. Não importa quanto um tal comportamento invoque os “direitos” do ego à medida que dissolve o político no pessoal ou infla o pessoal ao ponto de fazê-lo uma categoria transcendental – ele é a priori, no sentido em que não tem origens fora da mente para apoiá-lo, mesmo que potencialmente. Como Bakunin e Kropotkin argumentaram repetidamente, a individualidade nunca existiu separada da sociedade e a própria evolução do indivíduo foi co- extensiva com a evolução social. Falar do “indivíduo” separado de suas raízes sociais e de seus comprometimentos sociais é tão sem sentido quanto falar de uma sociedade que não contém pessoas ou instituições.

Já para existir as instituições precisam ter forma, como argumentei 30 trinta anos atrás em meu artigo “The Forms of Freedom” [“As formas da liberdade”] [19] ao risco de que a própria liberdade – tanto individual como social – perca sua definibilidade. As instituições devem ser tornadas funcionais, não abstraídas em categorias kantianas que flutuam num ar académico rarefeito. Elas devem ter a tangibilidade de uma estrutura – não importa quão ofensivo um termo desses possa parecer aos libertários individualistas: concretamente, elas precisam ter os meios, as políticas e a praxis experimental para chegarem a decisões. A não ser que todas as pessoas sejam psicologicamente homogéneas e os interesses tão uniformes no caráter que a dissidência seja simplesmente sem sentido, deve haver espaço para propostas conflitantes, discussão, explicação racional e decisões de maioria – em resumo, democracia.

Goste-se ou não, uma democracia assim, se é libertária, será comunalista e institucionalizada de maneira tal que será face a face, direta e de base, uma democracia que faz avançar nossas ideias da liberdade negativa [negative liberty] à liberdade positiva [positive liberty]. Uma democracia comunalista nos obriga a desenvolver uma esfera pública – e, no sentido ateniense do termo, uma política – que cresce em tensão e finalmente em conflito decisivo com o Estado.

Confederal, anti-hierárquica e coletivista, baseada na gestão municipal dos meios de vida e não no controle por interesses dissimulados (tais como controle operário, controle privado e, de forma mais perigosa, controle de Estado), ela deve ser considerada com justiça uma atualização em processo do ideal libertário como praxis diária [20].

O fato de que uma política comunalista implica participação nas eleições municipais – baseada, com certeza, num programa inflexível que exige a formação de assembleias populares e a confederação delas – não significa que a entrada em conselhos distritais e municipais envolve a participação em órgãos do Estado – não mais do que o estabelecimento de um sindicato anarco-sindicalista numa fábrica privada envolve a participação em formas capitalistas de produção. Basta voltar-se para a Revolução Francesa de 1789-94 para ver como instituições aparentemente estatais, como os “distritos” municipais estabelecidos sob a monarquia em 1789 para apressar as eleições dos Estados Gerais, foram transformadas, quatro anos depois, em corpos amplamente revolucionários ou “seções” que quase fizeram surgir a “comuna das comunas”. O movimento para a democracia seccional foi derrotado durante a insurreição de 2 de junho de 1793 – não pelas mãos da monarquia, mas pela traição dos jacobinos.

O capitalismo não nos dará generosamente as instituições democráticas que precisamos. Seu controle da sociedade hoje é onipresente, não apenas no pouco que resta da esfera pública, mas nas mentes dos auto-intitulados radicais. Um povo revolucionário deve afirmar seu controle sobre as instituições que são básicas para a vida pública – instituições que Bakunin corretamente percebeu serem os conselhos municipais – ou então não terá outra escolha do que se retirar para a vida privada, o que já está acontecendo numa escala epidêmica nos dias de hoje [21]. Seria irónico, na verdade, se um anarquismo individualista e suas diferentes mutações, do académico e transcendentemente moral ao caótico e lumpen, no curso de rejeitar a democracia, mesmo para uma “minoria de um”, aumentasse ainda mais os muros do dogma que estão constantemente cercando o ideal libertário e se, intencionalmente ou não, o anarquismo se tornas-se um outro culto narcisista confortavelmente assentado numa sociedade alienada, mercantilizada, introvertida e egocêntrica.

Green Perspectives, n° 31, outubro de 1994

 


[1] Além disso, não se deve confundir o uso anglo-saxão da palavra “autonomia”, com o uso germânico, de ascendência kantiana, que concebe a autonomia como a capacidade de dar-se as próprias regras. (N. do T)

[2] L . Susan Brown. The Politics of Individualism [A política do individualismo]. Montreal: Black Rose, 1993, p. 12. Eu não questiono a sinceridade da posição libertária de Brown; ela se considera uma anarco-comunista, assim como eu. Mas ela não faz nenhuma tentativa direta de reconciliar suas concepções individualistas com o comunismo. Tanto Bakunin quanto Kropotkin teriam discordado fortemente de sua formulação do que constitui um “grupo”, enquanto Margaret Thatcher, claramente, por razões que são suas, teria gostado, já que é tão próxima da famosa afirmação da antiga primeira-ministra britânica de que uma coisa como a sociedade não existe – existem apenas indivíduos. Certamente, Brown não é thatcheriana, nem Thatcher uma anarquista, mas seja quão forem diferentes em outros aspectos, ambas têm filiações ideológicas com o liberalismo clássico que tornam possíveis suas afirmações comuns da “autonomia” do indivíduo. Eu não posso ignorar o fato, no entanto, de que nem a visão de Bakunin, nem a de Kropotkin, nem a minha própria são tratadas com profundidade no livro de Brown (p. 156-62) e sua versão delas está cheia de imprecisões significativas. (N. do A.)

[3] Aqui Bookchin joga com as duas palavras em inglês para “liberdade”, a de origem anglo-saxã, “freedom” e a de origem latina “liberty“. Na tradição política libertária costuma-se associar a palavra anglo-saxã “freedom” com liberdade social e a palavra latina, “liberty” com liberdade individual, mas os usos em muitos casos se confundem. Neste texto, no entanto, Bookchin optou pela oposição entre “freedom” e “autonomy” [“autonomia”] referindo-se à palavra “liberty” apenas nessa passagem onde faz referência ao famoso ensaio de Isaiah Berlin, “Duas concepções de liberdade” [publicado em português em Quatro ensaios sobre a liberdade. Brasília: UnB, 1989]. (N. doT.)

[4] Os liberais nem sempre estiveram de acordo entre si, nem mantiveram doutrinas notavelmente coerentes. Mill, um utilitarista e um humanista livre-pensador, exibia, na verdade, uma certa simpatia pelo socialismo. Eu não estou individualizando aqui o caso de nenhum teórico liberal particular, seja Mill, Adam Smith ou Friedrich Hayek. Cada um tinha sua excentricidade individual ou linha pessoal de pensamento. Eu estou falando do liberalismo tradicional como um todo, cujas características gerais envolvem uma crença nas “leis” do mercado e na “livre” competição. Marx não estava, de forma alguma, livre dessa influência: ele também tentou incansavelmente descobrir “leis” da sociedade, assim como o fizeram muitos socialistas durante o século XIX, inclusive utópicos como Charles Fourier. (N. do A.)

[5] Veja “Anarquismo”, de Kropotkin, o famoso artigo para a Encycbpaedia Britannica que se tornou um de seus trabalhos mais lidos. Reeditado no livro organizado por Roger N. Baldwin, Kropotkins Revolutionary Pamphlets: A Collection of Writings by Peter Kropotkin [Panfletos revolucionários de Kropotkin: uma coleção de escritos de Peter Kropotkin] (Vanguard Press, 1927; reimpresso pela Dover, 1970).

[6] Filósofo c escritor alemão, pseudónimo de Johann Kaspar Schmidt (1806- 1856), criador do anarquismo individualista e defensor do egoísmo como forma de realização pessoal de cada indivíduo. (N. do R.)

[7] Eu nunca considerei a democracia clássica ateniense como um “modelo” ou um “ideal” a ser restaurado numa sociedade racional. Eu por muito tempo tenho mencionado Atenas com admiração por um motivo: a polis por volta do período de Péricles nos proporciona uma evidência contundente que certas estruturas podem existir – decisão política por assembleia, rotação e limitação dos cargos públicos e defesa efetuada por uma cidadania armada não-profissional. O mundo mediterrâneo do século V a.C. era, na maior parte, baseado na autoridade monárquica e em costumes repressivos. Que todas as sociedades mediterrâneas da época tenham necessitado ou empregado o patriarcado, a escravidão e o Estado (normalmente de uma forma absolutista) torna a experiência ateniense tanto mais notável pelo que ela, de maneira única, introduziu na vida social, inclusive um grau sem precedentes de liberdade de expressão. Seria ingénuo supor que Atenas poderia ter estado acima dos mais básicos atributos da sociedade antiga de sua época e que, da distância de 2400 anos, temos agora o privilégio de julgar feio e desumano. Infelizmente, não são poucas as pessoas hoje em dia que estão querendo julgar o passado pelo presente. (N. do A.)

[8] Filósofo, historiador, escritor, poeta e viajante inglês, nascido em 1946. Escreveu vários livros sobre a história do anarquismo e também sobre ecologia. (N. do R.)

[9] Peter Marshall. Demanding the Impossible: A History of Anarchism. Londres: Harper Collins, 1992, p. 22. (N. do A.)

[10] O termo Idade do Gelo (também Era do Gelo, período glacial ou era glacial) é utilizado para designar um período geológico de longa duração de diminuição da temperatura na superfície e atmosfera terrestres, resultando na expansão dos mantos de gelo continentais e polares bem como dos glaciares alpinos (glaciações). A Idade do Gelo mais recente atingiu o seu máximo há cerca de 20.000 anos. (N. do R.)

[11] Organização ativista anti-nuclear formada em 1976 que lutou (com sucesso) contra a construção do reator nuclear de Seabrook, no estado de Ne w Hampshire; esta organização inspirou outros grupos que também travaram lutas bem-sucedidas contra a instalação de centrais nucleares nos Estados Unidos, como a Abalone Alliance na Califórnia e a Shad Alliance em Long Island, no estado de New York. (N. do R.)

[12] Membros da seita protestante anglo-saxônica. (N. do T). Quacre (em inglês, quaker) é o nome dado ao grupo religioso de tradição protestante, chamado Sociedade Religiosa dos Amigos (Religious Society of Friends), criada em 1652 na Inglaterra por George Fox. Perseguidos pelo rei Carlos II, os quakers emigraram para os Estados Unidos, onde criaram em 1681 a colónia (atual estado) da Pensilvânia. (N. do R.)

[13] Liderados por Robespierre, os jacobinos foram os mais radicais partidários da Revolução Francesa de 1789. Oriundos da pequena e média burguesia, procuraram conciliar a democracia de massas com uma direção política centralizada e tirânica. Sob os jacobinos, foi implantado o Terror, durante o qual foram condenados à morte na guilhotina milhares de opositores ao regime. Receberam a denominação de “jacobinos” por reunirem-se inicialmente no convento dominicano de São Tiago (do nome Tiago em latim: Jacobus e do francês Saint-Jacques). (N. do R.)

[14] Barbara Epstein. Politicai Protest and Cultural Revolution: Non-Violent Direct Action in tbe 1970s and 1980s [Protesto político e revolução cultural: ação direta não-violenta nos anos 70 e 80]. Berkeley: University of Califórnia Press, 1991, principalmente as páginas 59, 78, 89, 94-95, 167-68, 177. Embora discorde de alguns fatos e conclusões do livro de Epstein – a partir de meu conhecimento pessoal e geral da Aliança Clamshell – ela retrata com vivacidade o fracasso do consenso no movimento. (N. do A.)

[15] A associação de “caos”, “nomadismo”, e “terrorismo cultural” com a “anarquia ontológica” (como se a burguesia nos Estados Unidos não tivesse transformado essas excentricidades numa “indústria do êxtase”) é totalmente explicada no livro de Hakim Bey (também conhecido como Peter Lamborn Wilson), T.A.Z: The Temporary Autonomous Zone (Nova Iorque: Autonomedia, 1985). A revista yuppie Whole Earth Review celebra esse panfleto considerando-o o “manifesto” mais influente e lido pela juventude contracultural americana, notando com aprovação que não contém, felizmente, ataques anarquistas convencionais ao capitalismo. Esse tipo de detrito dos anos 60 ecoa de uma forma ou outra na maior parte dos jornaizinhos anarquistas americanos que seduz a juventude que não teve ainda “sua diversão antes de crescer” (um comentário que ouvi anos depois de ativistas estudantis parisienses de 68), quando se tornam corretores de imóveis e contadores. Para uma “experiência de êxtase”, os visitantes do Lower East Side de Nova Iorque (próximo a St. Mark’s Place) podem jantar, segundo me disseram, no “Café Anarquia” [Anarchy Café]. Esse estabelecimento oferece comida de primeira a partir de um menu caro, tem uma reprodução na parede do famoso mural “O quarto estado”, talvez para ajudar na digestão e um máitre para saudar os clientes yuppies. Eu não sei dizer se os escritos de Guy Debord, Raoul Vaneigem, Fredy Perlman e Hakim Bey estão à venda lá ou se cópias dos periódicos Anarchy: A Joural of Desire Armed, The Fifth State ou Demolition Derby estão disponíveis para leitura, mas, felizmente, há inúmeras livrarias exóticas nas redondezas onde se pode comprá-los. (N. do A.)

[16] Citado de The American Heritage Dictionary of the English Language (Boston: Houghton Mifflin Co., 1978). (N. do A.)

[17] A história não oferece “modelo” para o municipalismo libertário, seja a Atenas de Péricles, uma tribo, vila ou cidade – ou ainda uma comuna hippie ou um ashram budista. Tampouco trata-se do modelo do “grupo de afinidade” – os anarquistas espanhóis usavam essa palavra de forma intercambiável com “grupo de ação” para se referir a uma unidade organizacional da FAI [Federação Anarquista Ibérica] e não à base institucional de uma sociedade libertária. (N. do A.)

[18] Uma discussão detalhada das diferenças entre o domínio social, que inclui as formas pelas quais nós nos associamos para fins pessoais e económicos; a esfera pública ou domínio político e o Estado em todas as suas fases e formas de desenvolvimento pode ser encontrado em meu livro Urbanization Without Cities (Montreal: Black Rose Books, 1992). (N. do A.)

[19] Publicado em Post-Scarcity Anarchism. Montreal: Black Rose. (N. do T.)

[20] Devo enfatizar que não estou contrapondo uma democracia comunalista a empreendimentos como cooperativas, clínicas do povo, comunas e coisas do género. Mas não se deve ter ilusões de que esses empreendimentos são mais do que exercícios de controle popular e formas de reunir as pessoas numa sociedade altamente atomizada. Nenhuma cooperativa de alimentação pode substituir os mercados de alimentos varejistas sob o capitalismo e nenhuma clínica pode substituir complexos hospitalares, não mais do que oficinas podem substituir fábricas. Devo observar que os anarquistas espanhóis, praticamente desde o princípio, perceberam totalmente os limites do movimento cooperativista nos anos 1880, quando tais movimentos eram de fato mais factíveis do que são hoje e eles, significativamente, se separaram do cooperativismo de forma programática. (N. do A.)

[21] Para Bakunin, o povo “tem um bom senso saudável e prático quando se trata de assuntos comunitários. Ele é muito bem informado e sabe como escolher em seu meio os representantes mais capazes. E por isso que as eleições municipais sempre refletem melhor a atitude real e a vontade do povo”. (Sam Dolgoff [ed.] Bakunin on Anarchy. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1972 – reeditado por Black Rose Books de Montreal, p. 223) Eu omiti as enjoadas interpolações que Dolgoff inseriu para “modificar” o sentido do que disse Bakunin. Deve-se notar que o anarquismo do século XIX era mais plástico e flexível do que é hoje. (N. do A.)